Factores de Sucesso/Insucesso

Moderadora Maria José Miranda

SEGUNDO PAINEL

Introdução

Maria José Miranda *

Começo por saudar os intervenientes neste Painel, o Professor José Tavares, da Universidade de Aveiro, o Professor Leandro de Almeida, da Universidade do Minho, o Professor Madureira Pinto, da Universidade do Porto e o Professor Brandão Alves, da Universidade Técnica de Lisboa. Penso que é desnecessária qualquer apresentação e agradeço a vossa presença em mais esta feliz iniciativa do Conselho Nacional de Educação.

Na pessoa da Senhora Presidente, Professora Teresa Ambrósio, saúdo os Senhores Conselheiros e todos os convidados.

Considero um factor de sucesso deste Painel e, neste momento, por maioria de razão, a oportunidade de confronto com os indicadores decorrentes de uma análise sistemática, com ópticas diferenciadas, da questão do sucesso e do insucesso académico. Confronto ao nível da informação e confronto ao nível do debate que acordámos entre nós privilegiar.

Caberá ao Professor Cachapuz o comentário às intervenções, a que se seguirá o debate. É minha expectativa o contributo importante deste painel para aquilo que eu chamo uma cultura de sucesso no ensino superior, sucesso em termos de favorecer as pessoas, favorecer os técnicos, favorecer os cidadãos. É uma cultura que urge e estou convencida que, em conjunto, nós detemos realmente o engenho e a arte para isso.

* Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa; Conselheira do CNE.

José Tavares*

Começaria por agradecer as palavras amáveis da Professora Maria José Miranda. Gostaria ainda de agradecer, muito rapidamente, o convite que me foi dirigido pela Professora Teresa Ambrósio para participar neste Seminário, cumprimentar os colegas da Mesa e a audiência.

Tenho aqui umas notas e também alguns acetatos, uns esquemas ou “morcegos”, como lhe chamava, com graça, o Professor Alberto Amaral. Poderia deitar fora as notas e os “morcegos”, mas, se calhar, vou guardar as duas coisas, e, com estas duas coisas, vamos ver se, em dez minutos, conseguimos comunicar aquilo que trazíamos.

Começaria pela primeira nota. E a primeira nota, depois do que ouvimos esta manhã, é uma espécie de banalidade, ou, se quiserem, uma constatação ou uma confirmação de toda uma série de investigações e conclusões a que se tem vindo a chegar sobre este tema, que é o tema deste painel, os factores de sucesso no ensino superior.

Ora bem, vou muito rapidamente dizer em que consistia esta nota para perceberem o porquê destas afirmações.

Tenho defendido, com base nas conclusões de investigações realizadas por diferentes investigadores e pela minha própria equipa, que o diagnóstico dos factores responsáveis pelo sucesso ou insucesso académico está feito. Eu uso sucesso académico em vez do sucesso escolar, porque gosto mais desta nomenclatura: o sucesso académico, no fundo, é o sucesso que o estudante tem durante a sua estada na academia, é o sucesso global do estudante durante esse período. Conhecem-se na realidade as principais causas de insucesso, tivemos oportunidade esta manhã de verificar isso, e, por consequência, o que seria necessário fazer para que os alunos sejam melhor sucedidos. Agora é preciso agir em conformidade e fazer a avaliação dessa acção ou intervenção para verificar se ela resultou ou não.

* Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro.

Ideologias, valores e preconceitos vigentes

Ideologias, valores e preconceitos vigentes

Ideologias, valores e preconceitos vigentes

Ideologias, valores e preconceitos vigentes

Passava já à segunda nota. E, aqui vou recorrer a dois desses acetatos, em espelho, que contêm, praticamente, toda a informação para responder a esta questão: “Mas, afinal, quais são estes factores ou estas causas de sucesso ou de insucesso académico?”.

Estes esquemas foram elaborados pela Professora Doutora Isabel Alarcão, 1998, com base em vários estudos sobre os factores de insucesso e publicados (em Tavares, J. et al., 2001 – Ensino Superior. (In)sucesso Académico, Porto: Porto Editora, pp. 18 e 19). Neles, destacamos realmente quatro grandes ordens de factores que são: o aluno, o professor, o currículo e a instituição, e, dentro destas grandes ordens, uma série de factores, que, hoje, já foram referidos e que passam normalmente por estas reuniões. De maneira que nesses acetatos estão, com certeza, os mais relevantes. É uma questão de ver depois a incidência que cada um deles tem sobre esta problemática do sucesso ou do insucesso escolar.

Portanto, estes factores configuram-se em quatro vectores que são os alunos, os professores, a instituição e o currículo. O currículo é também um instrumento de formação e é nessa perspectiva que ele tem de ser pensado e concebido quer na sua dimensão instituída quer instituinte. Em cada um dos vectores indicados, os alunos, os professores, o currículo e a instituição, destacados nos acetatos acima apresentados, poderão ser considerados, mais em pormenor, alguns dos factores aí enunciados e que não irei aqui comentar.

Numa segunda nota caberia explicitar como é que tudo isto se liga com as ideologias, as políticas e, porventura, os preconceitos. Ou seja, estes factores não funcionam no vazio, mas sim num quadro mais alargado, que, no fundo, são as ideologias, as políticas, e, também, os próprios preconceitos. É, neste quadro, que temos que ler este conjunto de factores que, na realidade, são factores múltiplos e extremamente complexos, e de, alguma maneira, se entrelaçam uns com os outros.

Numa terceira nota, gostaria de deter-me apenas naquelas dimensões em que tenho trabalhado mais directamente, com uma pequena equipa que coordeno; essas duas dimensões são os alunos e os professores. É a aprendizagem e a docência universitária, presente e futura, que constitui o centro da nossa atenção e mobiliza prioritariamente alguns dos projectos de investigação para doutoramento em curso, tais como: “Diferença de preparação dos alunos à entrada na universidade e o insucesso académico”, um estudo comparativo com alunos do 1.º ano de Ciências e Engenharia da Universidade de Aveiro, Portugal e da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, que está a ser realizado por Dayse Neri (brasileira) bolseira da FCT; “Níveis de ajustamento académico e processos auto-reguladores das aprendizagens”, um estudo com alunos do 1.º ano de Ciências da Engenharia da Universidade de Aveiro, que está a ser realizado por José Oliveira Bessa, Assistente Convidado da Universidade de Aveiro; “O insucesso no contexto do ensino superior e designadamente ligado aos problemas da leitura, a compreensão e escrita” pela doutoranda, aqui presente, Ana Paula Cabral, bolseira da FCT; um outro estudo sobre “Sono e vigília em alunos universitários, características dos ritmos circadianos e sucesso académico”, realizado por uma outra doutoranda, Allen Gomes, Assistente da Universidade de Aveiro; e, finalmente, um outro projecto também ligado com estes, um pouco em mosaico, “Pedagogia universitária e sucesso académico. Estudo de caso: o ensino da programação nas Universidades de Aveiro, Portugal e Strathclyde, na Escócia”, que está também a ser realizado por uma doutoranda, aqui presente, Isabel Maria Huet e Silva.

Estamos convencidos que estes projectos reflectem algumas das vias a seguir na investigação e que poderão dar excelentes contributos para desenvolver formas de intervenção para um maior sucesso académico dos alunos, dos docentes, do currículo e da instituição, tendo em conta os factores acima apresentados. Trata-se de uma opção de investigação e intervenção que incide particularmente sobre dois eixos: transitar para e estar no ensino superior.

O outro eixo, transição do ensino superior para o exercício ou o desempenho de uma profissão, embora o consideremos igualmente importante, não se inscreve directamente nas prioridades desta nossa equipa.

Outras equipas se ocupam directamente desta problemática, designadamente, na Universidade de Aveiro.

Conhecer efectivamente quais os alunos que nos chegam, com que preparação e desenvolvimento, quais as competências básicas e específicas que necessitam de adquirir e construir durante a sua estada na academia, para poderem depois ser bem sucedidos na transição para a sua inserção na vida profissional, constitui, em nossa opinião, a chave de intervenção para o sucesso nos processos de formação do ensino superior e, de um modo particular, no universitário. Embora os nossos objectivos de investigação incidam mais sobre a transição do secundário para o ensino superior, que foi um tema muito debatido aqui, hoje, e sobre o estar no ensino superior e a aquisição de determinadas competências durante a estada do estudante na academia, não se deverá perder de vista o terceiro eixo, ou seja, a inserção do estudante na sua vida profissional, ou activa, pois ele constitui o objectivo último de toda e qualquer formação.

E, finalmente, para terminar, numa quarta e última nota, gostaríamos ainda de insistir que, a nossos olhos, para que tudo o que acabámos de referir aconteça, é necessário que os principais agentes e, de um modo especial, os docentes e alunos assumam nos processos de ensino/aprendizagem e no trabalho que cada um deverá realizar, uma atitude exigente, rigorosa, empenhada e responsável, pois, tanto uns como outros, na sua função docente e discente, terão de ser verdadeiros profissionais. Sem essa nova atitude que deverá possibilitar uma nova cultura docente e discente, qualquer iniciativa de transformação ou, porventura, de transmutação, será simplesmente condenada ao insucesso. Uma tal cultura pressupõe uma nova maneira de ensinar e aprender ou de ajudar a aprender e a desaprender, para empreender de uma outra forma e dentro uma dinâmica distinta.

Por outras palavras, indo directamente aos pontos que hoje mais nos preocupam, e são, com certeza, os factores de insucesso ou de menos sucesso, poderíamos constatar o seguinte: a distribuição da leccionação em aulas teóricas, teórico-práticas e práticas ou laboratoriais, da forma que normalmente é feita, convenhamos que já não faz muito sentido, e terá de ser substituída, pois está cada vez mais desajustada da realidade e, em muitos casos, trata-se de puras repetições e perda de tempo. Por isso, os alunos começam a não ir às teóricas e às teórico-práticas e vão ainda às práticas e laboratoriais porque são obrigados pelos regulamentos de avaliação. Para haver mais sucesso, os docentes e os alunos terão de trabalhar mais e melhor, digamos, com mais vontade, determinação e prazer e com métodos mais adequados às diferentes tarefas a desenvolver. É, justamente, aqui – e as conclusões de investigação realizadas, neste âmbito, são convergentes – que se colocam os grandes desafios aos professores e aos alunos sobre a docência e a aprendizagem universitárias do presente e do futuro. E quais são esses desafios? perguntar-se-á. A resposta a esta questão, tendo em conta o conjunto de factores acima identificados em torno dos quatro vectores referidos, o docente, o aluno, o currículo e a instituição, terá que ser dada através de uma rotura consciente, responsável e assumida pelos docentes e pelos alunos, pois são eles, sobretudo, que irão forçar a verdadeira transmutação dos curricula e das próprias instituições.

Estou pessoalmente convencido e não receio dizê-lo em público, que a administração e a gestão, com mais ou menos estratégia ou política, como tanto se tem propalado, não nos levará a lado nenhum, são apenas estratégias, formas mais ou menos camufladas para atingir os centros do poder. O verdadeiro grito de Ipiranga, dos sistemas e das instituições de formação, terá que ser dado pelos docentes e pelos alunos através de uma nova concepção que possibilite novas modalidades de aprender e ensinar e, porventura, de desaprender para empreender de uma maneira qualitativamente diferente. Devolver a dignidade, a nobreza e a verdadeira seriedade e importância à docência e à aprendizagem, à formação e à sua ligação com as comunidades, as escolas, as empresas e os serviços, como tem sido feito em relação à investigação, é, com certeza, o caminho a seguir pelos os docentes e os alunos. Os docentes e os alunos têm, de facto, um papel especial a realizar em todo o processo.

Obrigado pela atenção.

Leandro S. Almeida*

1. Introdução

Tomando o desdobrável de apresentação deste Seminário refere-se, e passo a citar, “... os estudantes, nas suas estruturas associativas, têm manifestado preocupação com os níveis de insucesso escolar e têm procurado comunicar e partilhar as suas opiniões”. Seguramente que, a par dos estudantes, o problema do insucesso é motivo de preocupação crescente de docentes e órgãos de gestão académica. O problema justifica a atenção e

o contributo de todos, seja na sua análise seja – e sobretudo – na implementação de medidas tendentes à sua superação.

Os índices de reprovação, repetência e abandono no ensino superior em Portugal – como certamente noutros países – justificam momentos de análise e de fundamentação de propostas de actuação. No nosso País, a abordagem do insucesso escolar no ensino superior não é frequente, sobretudo olhando às iniciativas, reflexões e medidas – inclusive políticas – a propósito do insucesso nos ensinos básico e secundário. Pelas implicações do insucesso escolar nos alunos, nas famílias, nas instituições do ensino superior e na sociedade em geral, saúdo a oportunidade deste Seminário e explicito a relevância do seu tema. Falar do (in)sucesso no ensino superior torna-se cada vez mais necessário. Não estamos face a um problema externo ou menor, nem falamos de um subsistema ou de instituições de ensino intocáveis.

Iniciamos esta comunicação por uma curta referência ao conceito de insucesso para, de seguida, descrevermos alguns dos factores tomados na literatura como explicativos do problema. Importa referir que nos baseamos, sobretudo, na literatura no seio da psicologia e das ciências da educação. Parte da fundamentação deste texto decorre dos resultados obtidos em projectos de investigação que coordenamos na Universidade do Minho sobre a problemática em apreço (no presente contamos com o apoio da

* Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho.

Fundação Calouste Gulbenkian para o desenvolvimento do projecto

“Transição, Adaptação e Sucesso Académico de Jovens no Ensino Superior”).

2. Conceito de (in)sucesso

Podemos falar em insucesso num duplo sentido. Num sentido mais restrito, falamos em insucesso escolar. Em sentido mais amplo, falamos em insucesso educativo. Os indicadores disponíveis permitem-nos, de facto, falar em insucesso no Sistema de Ensino Superior em Portugal nestes dois sentidos.

Falando em insucesso escolar, podemos referir (i) as altas taxas de insucesso escolar em algumas disciplinas e cursos, respectivamente disciplinas dos ciclos básicos ou preparatórios e cursos de ciências ou tecnologias; (ii) a elevada percentagem de insucesso nos dois primeiros anos, e em particular no primeiro ano dos cursos; (iii) o número excessivo de anos necessários à conclusão dos graus, suplantando em mais que um ano a média geral dos anos necessários à conclusão de um curso; e (iv) a considerável taxa de abandono ou a fraca percentagem de conclusão de diplomados.

Em termos de insucesso educativo, podemos referir o fraco contributo da frequência do ensino superior para aumentarmos o nível de iniciativa, autonomia e empreendedorismo dos nossos jovens, a insatisfatória formação cívica e cultural a avalizar pelos artistas que escolhem para as suas festas académicas ou actividades que escolhem para as suas praxes, ou o não suficiente desenvolvimento de mecanismos pessoais potencializadores da sua formação contínua (formação ao longo da vida). Do mesmo modo, se pensarmos que o mundo profissional apela hoje a competências desenvolvimentais mais latas, e se o jovem licenciado não as possui, podemos também estender a estas situações de desfasamento o insucesso educativo do ensino superior.

Para a nossa análise e contributo neste Seminário, centrar-nos-emos no conceito de (in)sucesso escolar. Não só nos parece de mais fácil delimitação e abordagem, como nos parece o assunto primeiro deste Seminário. Mesmo assim, faremos algumas incursões ao (in)sucesso educativo. Sendo certo que nem sempre os dois tipos de (in)sucessos andam juntos, ambos são importantes e justificam a nossa preocupação. O interesse e logicamente o desafio que se nos assiste é como conseguirmos rentabilizar ambos e colocá-los numa lógica interactiva para a máxima potencialização recíproca.

Centrando-nos no (in)sucesso escolar, importa agora referir o enfoque da nossa abordagem dos principais factores explicativos. Tomaremos as interacções entre três conceitos ou processos fortemente interdependentes: aprendizagem, ensino e avaliação. Com eles pretendemos, desde logo, co-responsabilizar alunos, professores e instituição académica pelo problema em apreço, e logicamente nas respostas que possam vir a ser ensaiadas. A diversidade de variáveis em presença, desde logo, não nos permite falar em soluções a aplicar, mas em discursos a difundir e em propostas a ensaiar. Neste sentido, apresentamos um esquema ilustrativo do tipo de análise que assumimos em algumas investigações realizadas sobre o tema em apreço na Universidade do Minho (Figura 1).

Neste esquema salientamos a diversidade de variáveis em presença. A par das variáveis inerentes ao estudante, não podemos desconsiderar as reportadas ao professor, ao curso e à própria instituição (Santos & Almeida, 2001). Da interacção de todas estas variáveis decorre a qualidade da adaptação académica dos estudantes, assumindo-se esta como estruturante da qualidade e nível de satisfação dos estudantes, do seu desenvolvimento e rendimento académico. Sobretudo, predominando discursos e posições atribuindo aos estudantes uma responsabilidade quase exclusiva no problema em apreço, pretendemos aqui responsabilizar também outros agentes. Em relação a todos eles, listamos um conjunto de factores que importa considerar na análise do problema e na inventariação de formas que possam minorar a sua incidência.

3. Aprendizagem: Papel do estudante e do contexto

Falar em aprendizagem é, desde logo, reconhecer o papel do aluno no seu sucesso ou insucesso escolar. Não confinaremos a questão da aprendizagem às variáveis do estudante. Múltiplas variáveis, também contextuais, emergem na investigação associadas à aprendizagem e ao rendimento dos estudantes no ensino superior.

Aprendizagem: Variáveis do estudante

Situando-nos nas variáveis do estudante, destacamos em primeiro lugar o conhecimento anterior nas áreas disciplinares do curso que se frequenta. Nesta altura podemos falar dos conhecimentos que os alunos possuem ou não possuem na transição do ensino secundário para o ensino superior. O rendimento escolar depende em boa medida dos conhecimentos prévios dos estudantes nos domínios em apreço. Defende-se, assim, uma progressão de conhecimentos, diferenciando-se a este propósito três tipos de conhecimentos sequencializados em termos de complexidade e nível de estruturação cognitiva: os factuais ou declarativos, os procedimentais e os situacionais ou condicionais. No entanto, tidos os conhecimentos prévios como importantes, a sua ausência não é suficiente para explicar todas as dificuldades escolares dos estudantes, muito menos para justificar a falta generalizada de ideias e de propostas que venham a suplantar tais lacunas.

Em segundo lugar, importa mencionar as capacidades intelectuais e cognitivas (sentido crítico, criatividade...), sobretudo num momento em que alguma massificação se generaliza nos vários níveis de ensino. Os factores cognitivos, em termos de aptidões ou de processos, parecem importantes pois poderão estar associados a níveis sucessivos de quantidade e complexidade da informação a tratar. Por outro lado, apela o ensino superior a alunos que acompanhem a sua escolaridade com níveis mais elevados de pensamento crítico, de análise e de síntese, entre outras funções cognitivas. Certamente que alunos com menos habilidades a este propósito terão já ficado pelo caminho, mesmo assim nem todos os alunos ingressados no ensino superior apresentam as qualidades cognitivas esperadas pelos seus docentes.

Em terceiro lugar, podemos referir as imagens pessoais dos estudantes acerca das suas capacidades (autoconceito, atribuições causais). Para alguns autores, a partir da adolescência, mais que as aptidões em si mesmas, os desempenhos parecem marcados pelas auto-imagens de capacidade e de realização dos próprios estudantes. A dedicação dos estudantes ao trabalho escolar parece marcado pelas expectativas de sucesso esperado. As experiências de insucesso logo na entrada no ensino superior são mau presságio a este propósito...

Em quarto lugar, importa analisar como estudam os alunos. Nem sempre as abordagens, os mecanismos de auto-regulação e os próprios métodos de estudo são os mais adequados ao curso e às disciplinas (Rosário et al., 2000). A este propósito os autores mencionam como seria importante que os estudantes pudessem ter estratégias de maior compromisso e regulação nas suas aprendizagens: (i) a forma como planeia, executa e avalia as suas actividades de estudo; (ii) a gestão que consegue fazer dos seus recursos (aulas, textos de apoio, tempo); e (iii) a regulação que faz das suas próprias funções e capacidades cognitivas (saber seleccionar, organizar, memorizar e extrapolar, por exemplo).

Em quinto lugar, podemos aceitar que o ensino superior – ou pelo menos algum ensino superior – apela a estudantes activos e críticos no processo de aprendizagem, reconhecendo que só estes darão significado e poderão construir o seu próprio conhecimento. Esta orientação mais recente em termos de aprendizagem, que alguns autores apelidam de aprendizagem significativa, activa ou construtivista, destaca o sentido interno, pessoal e progressivo do conhecimento. Nesta aprendizagem apela-se a estudantes participativos e a níveis sucessivos de estruturação da informação e competências.

Finalmente, devemos mencionar a importância das atitudes do estudante em relação à aprendizagem, a forma como assume o seu papel de “aluno” e as responsabilidades assumidas face ao “investimento social” feito na sua formação. Podemos, por exemplo, mencionar algumas atitudes ditas mais positivas ou favoráveis à aprendizagem e ao sucesso escolar dos alunos: abertura e curiosidade em relação ao conhecimento e aos problemas, prazer de aprender, gosto pela reflexão intelectual, postura de pesquisa e confronto de informação, sentido de responsabilidade. Tais atitudes associam-se a níveis mais elevados de comprometimento dos estudantes com as actividades lectivas (aulas, estudo) e de motivação intrínseca na própria aprendizagem, tudo isto com impacto directo e positivo no seu rendimento académico.

Aprendizagem: Variáveis contextuais

Claro está que não podemos circunscrever o fenómeno da aprendizagem reportando-nos exclusivamente a variáveis dos estudantes. Podemos, a este propósito, apontar um conjunto alargado de variáveis contextuais, susceptíveis de interferirem na aprendizagem e no rendimento académico dos estudantes. Mesmo tendo os alunos como ponto de chegada do seu impacto, algumas destas variáveis são-lhes externas, devendo ser assumidas, como tal.

Em primeiro lugar, a dedicação e proveito da aprendizagem oscila nos alunos em função da imagem que eles percepcionam dos seus Departamentos e Instituições. Assim sendo, o seu envolvimento e rendimento é superior quando sentem frequentar uma boa universidade, um bom departamento, um bom curso... A sua motivação pelas actividades académicas, de índole curricular, parece estimulada nestas circunstâncias favoráveis.

Em segundo lugar, as estratégias de aprendizagem dos alunos acompanham as próprias concepções de aprendizagem dos professores, e as práticas pedagógicas que estes implementam. Uma aprendizagem mais superficial ocorre em docentes cujas aulas são, por exemplo, demasiado teóricas e expositivas. Professores que dinamizam as suas aulas numa lógica de problematização, colocando desafios e propondo a resolução de problemas, estimulam uma aprendizagem mais profunda e mais significativa por parte dos seus alunos. Aliás, e na sequência disso, o investimento na aprendizagem por parte dos alunos acompanha as suas percepções sobre a relevância dos conteúdos, sendo essa relevância inferida a partir das aulas dos docentes.

O envolvimento em actividades extracurriculares apresenta dados um pouco contraditórios no rendimento escolar dos estudantes. Por um lado, este investimento pode assumir formas diversas, indo desde a colaboração na organização das actividades lectivas (por exemplo os delegados de ano ou de turma) até às actividades desportivas ou associativas. As primeiras parecem não afectar tão negativamente a aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes. Mesmo assim, os autores referem o volume em investimento e em tempo que os estudantes dedicam a tais actividades. As interferências negativas ocorrem quando tais actividades se tornam demasiado presentes na vida e nas preocupações dos estudantes, retirandolhes o tempo que deveriam dedicar às aulas e ao estudo. Se até um certo nível essa participação e envolvimento extracurricular pode até ser importante factor de adaptação e satisfação com a academia e com o curso, desenvolvendo por exemplo competências sociais e a autonomia, exageros a este propósito têm implicações directas e negativas na aprendizagem dos estudantes (Almeida et al., 2000).

A organização de serviços “multiformatados” de apoio psico-sócio-educativo aos estudantes, e atenção a certos grupos específicos sem “estigmatizar”, merece também uma referência (Leitão & Paixão, 1999). Seja numa lógica remediativa, seja numa lógica preventiva ou promocional, tais serviços desempenham hoje um papel determinante no sucesso escolar e no sucesso educativo de certas franjas de alunos. A divulgação e o fácil acesso a tais serviços tornam-se decisivos para que alunos em situação de dificuldade ou de crise busquem esse apoio.

A organização e acesso aos dossiers pedagógicos merece referência, sobretudo em modelos de ensino-aprendizagem apelando à participação activa dos estudantes, ao trabalho por projectos e à aprendizagem em pequenos grupos. Nestas situações de ensino-aprendizagem, importa não apenas assegurar a existência dos dossiers pedagógicos mas também a sua actualização. Estes dossiers são o ponto de partida para uma aprendizagem auto-dirigida por parte dos alunos.

Ainda ao nível do currículo, importa acautelar a organização das componentes práticas de formação ao longo do curso, e ainda a forma como se organiza e acompanha os estágios no final do curso. Provavelmente algumas das dificuldades dos alunos nas disciplinas dos primeiros anos do curso decorrem da natureza essencialmente teórica das suas matérias, ou a fraca explicitação da sua relevância para o curso e futuro profissional na área. Não temos, por outro lado, grande tradição de aproveitamento do trabalho/participação dos alunos em projectos de investigação dos docentes, em actividades de voluntariado nas áreas de formação, de experiências de trabalho ou mini-estágios nas férias, como também não abrimos facilmente os laboratórios à iniciativa dos estudantes... Todas estas actividades podem servir a motivação e outras tantas formas de capacitação dos alunos; assim se possam rentabilizar tais percursos diversos de capacitação numa lógica mais flexível de acúmulo e transferência de unidades de crédito!

A distribuição do serviço docente merece também referência, como também o ratio professor-alunos ou a dimensão das turmas. A concentração da actividade de determinado docente num semestre pode ocasionar sobrecarga de trabalho e menor disponibilidade para acompanhamento dos alunos. Por outro lado, a deslocação dos professores mais “habilitados” para os últimos anos da graduação ou, inclusive, para a pós-graduação, para as tarefas de gestão e para a coordenação da investigação, justifica alguma atenção quando se pretende “atacar” o insucesso escolar nos primeiros anos.

Cuidar da gestão pedagógica dos cursos, pode ser uma outra área a merecer atenção. Sobretudo, importa personalizar essa gestão, criar mecanismos de interligação dos conteúdos e dos docentes ao longo dos anos curriculares, e em cada um dos anos. Interessa, ainda, assegurar a participação dos estudantes nesta gestão e criar condições para que a mesma seja valorizada e tomada em consideração. Nem sempre, infelizmente, a gestão dos cursos (projectos de formação) é tão atractiva quanto a direcção de unidades orgânicas ou a coordenação de projectos de investigação e de serviços à comunidade.

Uma última dificuldade merece a nossa atenção e referência aqui: os possíveis desfasamentos entre curso frequentado e projecto vocacional dos alunos. Esta situação, quanto a nós, merece maior análise quando sabemos que entre 25 ou 30% dos estudantes do ensino superior universitário (subsector público) poderão não entrar no par curso-estabelecimento de ensino correspondente à sua primeira escolha. O problema logicamente ganha maior acutilância e impacto (negativo) no primeiro ano, justificando maior atenção por parte da instituição, do director de curso e dos docentes que leccionam no primeiro ano. Certamente que esta realidade, decorrente da política de numerus clausus e de mínimos fixados para a entrada em certos cursos, influencia as taxas de insucesso e de abandono observadas no primeiro ano (Tavares et al., 1998).

4. Ensino: Papel do professor e do currículo

Ensino: Variáveis do professor

O sucesso escolar dos estudantes encontra-se fortemente marcado pelas competências pedagógicas e qualidade científica dos seus professores.

Esta relação será tanto mais forte quanto o sistema de ensino-aprendizagem se encontra centrado no professor e nas suas aulas expositivas, ou quanto a avaliação se circunscreva à mera verificação das matérias memorizadas.

Assim, alguns estudos referem que docentes mais entusiastas nas suas aulas e mais diversificados nas suas estratégias de ensino promovem alunos mais profundos nas suas aprendizagens. Apela-se, deste modo, a uma maior diversificação de estratégias de ensino por parte dos docentes, podendo aqui incluir-se, a par das aulas expositivas, a apresentação e discussão de casos, a condução de projectos de investigação, o confronto de pontos de análise e resolução de problemas. Logicamente, que níveis superiores de sucesso escolar e educativo podem esperar-se em contexto de ensino que estimulam a curiosidade do aluno, a resolução de problemas e a autonomia de pensamento ou a capacidade crítica dos estudantes.

Também hoje se enfatiza a aprendizagem através de métodos assentes na cooperação e interacção dos pares (peer learning, cooperative learning, etc.). Situações de confronto de conhecimentos ou de conflito cognitivo são mais facilmente proporcionadas neste contexto, decorrendo dessa dinâmica interindividual ganhos em significação, compreensão e estruturação de conhecimento e de competências. Vygotsky (in Almeida, 1993), numa aplicação à pedagogia, defendia esta dinâmica interindividual como motor de aprendizagens significativas sucessivamente internalizadas pelo aluno. Acrescentava ainda a passagem sucessiva de um nível de desenvolvimento actual (conseguido) para um nível de desenvolvimento próximo (potencial).

A flexibilização cada vez mais assumida como desejável nos cursos de graduação alerta-nos, também, para uma maior atenção aos percursos anteriores e paralelos de formação dos alunos. A formação não se inicia nem ocorre apenas no espaço e tempo da Universidade, em sentido estrito. Por vezes aponta-se o desfasamento entre fontes e processos de formação como uma das dificuldades acrescidas a quem aprende. A não rentabilização por parte das instituições formativas das oportunidades de formação que cada indivíduo encontra e desenvolve é prática mais frequente no mundo escolar por comparação com o mundo profissional.

A par da responsabilização dos estudantes, importa não descuidar o papel interveniente dos professores e da instituição nestas mudanças. Por exemplo, é assumido que, pagos maioritariamente para leccionarem, os docentes têm as suas carreiras académicas (aliás designada “carreira docente”) sobretudo marcadas pela sua produção investigativa. Neste sentido, deve a Universidade Portuguesa avançar com orientações mais claras e propostas de avaliação da prática docente de forma a aumentar o impacto de tais práticas na carreira docente.

Outras pistas de preocupação e actuação institucional passam, por exemplo, pelo esforço de actualização da estrutura curricular dos cursos e dos conteúdos das diferentes disciplinas. Nem sempre a “investigação de ponta” que se realiza, ou a actualização feita a nível da consulta bibliográfica ou dos intercâmbios entre docentes, passa suficientemente para as matérias leccionadas. Temas de maior actualidade, e susceptíveis de proporcionarem níveis acrescidos de motivação e de envolvimento dos alunos na aprendizagem, poderão não estar suficientemente representados nos curricula em leccionação. Igualmente se pode falar na capacitação pedagógica dos professores. Ao contrário dos docentes de todos os outros níveis de ensino, tem-se assumido como não necessário um estágio pedagógico que habilite para as funções docentes no ensino superior. Sem formação específica dos professores, dificilmente os docentes do ensino superior poderão evoluir em novas metodologias de ensino-aprendizagem, em novos processos de avaliação, em métodos activos de ensino que promovam a participação dos estudantes nas aulas, etc. Esta formação poderá fazer sentir a necessidade e agilizar na prática medidas de coordenação interdocentes dos vários anos do curso ou dentro de cada ano. Várias queixas dos estudantes são feitas a este propósito e ilustradas por matérias repetidas ou por desfasamentos temporais dos assuntos abordados ao longo do curso

Ensino: Variáveis do currículo

A par de uma actuação junto dos docentes, importa apontar algumas medidas de carácter mais institucional que poderão ser tomadas numa lógica de promoção da aprendizagem e do sucesso. Um esforço acrescido deveria ir no sentido de se criar em cada ano/curso verdadeiros ambientes profissionais de ensino-aprendizagem, o que também tem sido apontado na literatura como “comunidades activas de aprendizagem”.

Também na lógica de algumas ideias anteriores, importa manter actualizado o sentido social e científico do curso e, deste modo, implementar medidas permanentes de análise e de desenvolvimento curricular dos cursos. Esta preocupação irá seguramente contra as práticas instituídas de marcada rigidez de organização curricular dos cursos, associada a lógicas corporativas de departamentos e de grupos de docentes. Do mesmo modo, importa que o processo de ensino-aprendizagem recorra cada vez mais às novas tecnologias de informação, rentabilizando-as.

Os programas curriculares merecem seguramente maior reflexão do que aquela que lhe tem sido dispensada. O sistema instituído das avaliações periódicas dos cursos promovidas pela CNAVES-FUP pode ser uma importante ajuda nesse sentido. Com efeito, todos lamentamos – mas somos inconsequentes na acção – os programas extensos e as cargas lectivas semanais demasiado elevadas. É urgente uma maior flexibilidade dos planos curriculares da graduação, uma opção clara por formações de “banda larga” e a recusa de especializações demasiado profissionalizantes neste primeiro nível de formação superior.

Uma novidade decorrente da Declaração de Bolonha prende-se com a não confinação das unidades de crédito dos cursos às actividades lectivas presenciais. Os ECTS calculam-se, agora, na base das “cargas de trabalho”, podendo estimular uma ampliação do leque de actividades creditáveis e, logicamente, conduzir a uma redução das cargas lectivas. Nesta mesma linha, tornar-se-á aconselhável a introdução de aulas e sessões tutoriais para acompanhamento de pequenos grupos de alunos em substituição das aulas tradicionais, até como forma de apoio aos alunos na gestão da flexibilidade curricular do seu curso, numa lógica de construção consciente e responsável do próprio projecto pessoal de formação e carreira. Fazemos votos para que a implementação destas orientações possam proporcionar melhor adequação dos objectivos, métodos e conteúdos do curso ao perfil do licenciado a formar.

5. Avaliação: Formas e Contextos

Avaliação: Aspectos inerentes à forma de avaliação

A forma como organizamos a avaliação académica condiciona o ensino, a aprendizagem e, por maioria de razões, o rendimento e sucesso escolares. Segundo um discurso mais ou menos comum a docentes e a discentes, o estudo dos alunos organiza-se em função do que estes percepcionam vir a ser avaliado (domínios e conteúdos) e, também, do formato do próprio teste (questões directas ou de escolha múltipla, por exemplo).

A forma como os alunos organizam a sua aprendizagem encontra-se influenciada pelo tipo de avaliação definida. O estudo para uma disciplina altera-se consoante a sua avaliação é feita de forma contínua, através de trabalhos ou de (mini)testes, ou feita de forma sumativa através de frequências semestrais ou de exame final. A tendência do aluno estudar de forma mais intensa ou exclusiva nos períodos de testes ou de exames ocorre, sobretudo, no segundo modelo de avaliação. Por outro lado, uma aprendizagem mais assente na memorização do que no desenvolvimento de um pensamento crítico ou conhecimento significativo ocorre nas disciplinas cuja avaliação é feita a partir dos testes (exames). A avaliação assente em testes finais parece estimular, com efeito, uma abordagem superficial dos alunos na sua aprendizagem...

Um outro problema decorre da fraca tradição, entre nós, de estabelecermos uma mais forte ligação entre a avaliação e o processo de ensino-aprendizagem. Esta situação generaliza-se aos vários níveis de ensino. Também no ensino superior, a avaliação surge mais como peça isolada e de sancionamento da aprendizagem do que como fonte ou oportunidade informativa e de regulação do processo de ensino-aprendizagem. Nomeadamente, a avaliação tem pouco ou nenhum impacto no ensino (docente). Também o valor informativo para a aprendizagem (discentes) não é grande. Para isso, era importante que a avaliação proporcionasse feedback em diferentes sentidos, mas isso também implicaria uma informação mais detalhada dos critérios de classificação de cada questão, conteúdos esperados numa resposta correcta, objectivo colocado nessa questão, limites e erros mais frequentes nas respostas dos alunos, procedimentos de aprendizagem mais aconselháveis (...).

Uma maior preocupação e formação dos docentes na área da avaliação justifica-se. Ilustramos, antes, algumas razões nesse sentido. Outros pontos concretos podem, ainda, ser acrescentados. Por exemplo, importa reconhecer que os critérios de exigência ou as formas de avaliação condicionam, logicamente, as taxas de insucesso nas diferentes disciplinas. Por outro lado, importaria questionar os professores sobre o grau de coerência entre os seus métodos de ensino e os seus métodos de avaliação. Também a extensão dos testes e a sua duração merecem a necessária atenção dos professores, como aliás outros aspectos práticos como sejam a relevância e a clareza das questões formuladas.

Avaliação: Contextos institucionais

Deixámos já antever a importância de cada instituição possuir um sistema ágil e contínuo de avaliação dos respectivos cursos. Um dos parâmetros dessa avaliação é, logicamente, o sucesso dos alunos. Esse sistema é particularmente relevante se, no seio da comissão de curso, sinaliza e analisa as taxas elevadas de insucesso de algumas disciplinas.

A criação de espaços favoráveis a uma reflexão serena de alunos e professores sobre os factores de (in)sucesso merece maior atenção por parte das autoridades académicas. A ausência de diálogo a este propósito pode fortalecer o clima de acusações recíprocas ou a manutenção dos estereótipos reducionistas reinantes de que os professores não sabem e não ensinam, e/ou que os alunos não estudam e não sabem.

A este propósito seria interessante rentabilizar melhor uma das fontes informativas – a avaliação do ensino ministrado – uma vez que está cada vez mais generalizada às diferentes instituições do ensino superior. Tal avaliação pode ser feita por estudantes e/ou pelos pares (incluindo-se os órgãos de departamentos ou escolas). A par da qualidade dos procedimentos (objectividade, precisão, discriminação e validade da informação recolhida), importa cuidar da forma como essa informação é aproveitada pelos vários agentes envolvidos e, em particular, pelo próprio professor. Logicamente que os resultados dessa avaliação devem ter consequências e dar lugar a um esforço individual e institucional de melhoria da qualidade geral do ensino.

6. Considerações finais

Dificilmente se pode concluir no sentido do tudo dito ou tudo clarificado, em face do problema em análise. Por isso mesmo, aproveitamos agora para tecer, apenas, algumas considerações finais.

Em primeiro lugar, os alunos devem ser encorajados a assumirem as suas responsabilidades académicas, entre as quais as tarefas de aprendizagem inerentes ao curso. A sua presença no ensino superior justifica-se, em primeiro lugar, pela aprendizagem e formação académica, dando origem a um verdadeiro “contrato académico” com a instituição e o curso que frequentam.

Em segundo lugar, estes cursos devem ter os seus objectivos bem definidos e estarem mais organizados em função dos perfis profissionais a formar do que em função das valências de investigação dos docentes, por vezes agarrados também aos saberes clássicos das suas disciplinas científicas. Conselhos consultivos dos cursos, formados por individualidades e instituições da comunidade, podem servir esse objectivo de actualização permanente.

Em terceiro lugar, importa cuidar da gestão dos cursos e da coordenação da sua estrutura curricular. Importa, por exemplo, assegurar bons professores no primeiro ano dos cursos, professores entusiastas e que sejam estímulo ao envolvimento dos estudantes no seu curso, nem sempre a sua primeira escolha vocacional. Isto ganha maior relevância nas situações em que as únicas imagens do curso (cadeiras, professores) cheguem aos caloiros através de colegas que acumulam insucessos sucessivos...

Finalmente, falando-se de inovação e qualidade, importa desenvolver nas instituições do ensino superior espaços de debate e de inovação na área pedagógica. Apela-se a um maior esforço institucional na diversificação de respostas às necessidades da comunidade, à sua evolução científica, técnica e social, ou ainda às expectativas e projectos vocacionais dos jovens. Interessa desenvolver e implementar uma cultura institucional, alargada aos vários intervenientes, pautada pela exigência e excelência dos seus projectos, incluindo os de formação graduada. A avaliação externa dos cursos, quando interiorizada no seio da própria comunidade académica, serve este objectivo.

Bibliografia

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José Madureira Pinto

1. Introdução

Posto perante o desafio de intervir, durante não mais de dez minutos, no Painel sobre Factores de Sucesso/Insucesso no Ensino Superior, procurando introduzir na discussão o contributo específico da Sociologia, recorri, na altura, a um esquema que, com algumas alterações, adiante se reproduz (p. 136).

Trata-se, sem dúvida, de um expediente gráfico assaz imperfeito e incompleto, mas que, nas circunstâncias em que o debate se realizou, procurava sintetizar as grandes linhas de um modelo interpretativo sobre os fenómenos em causa que pudesse ser utilmente confrontado com os contributos de outros intervenientes e rapidamente decifrado e questionado pela generalidade dos participantes do Seminário.

Subjacente à organização do esquema, há obviamente duas ideias-força, que, aliás, se complementam: a de que o sistema de ensino superior é um subsistema que estabelece relações sociais específicas entre agentes; e a de que essas relações não são pensáveis sem referência a traços estruturais e vectores de transformação da sociedade global.

Afirmar a especificidade do subsistema do ensino superior significa encará-lo como conjunto de organizações de trabalho dotadas de alguns particularismos, por um lado, e como instância de ensino/aprendizagem e de reconfiguração das sociabilidades juvenis, por outro. A parte central do esquema que adiante se reproduz pretende chamar a atenção para a importância que a conjugação destes vectores tem nos processos de construção socioinstitucional do (in)sucesso escolar.

Insistir, por outro lado, no princípio de que o subsistema social em causa tem lógicas de funcionamento e transformação induzidas por factores exógenos obriga a aproximar o fenómeno que aqui nos ocupa de processos

Faculdade de Economia do Porto.

sociais aparentemente tão “distantes” como o da evolução das estruturas económico-produtivas e do emprego, o das lógicas e estratégias de mobilidade social e de reconversão classista ou o da natureza do movimento de transformação cultural em curso nas sociedades contemporâneas – para além, obviamente, dos que dizem directamente respeito às orientações de política educativa e científica, influenciadas, elas próprias, sempre, por sistemas de valores e desígnios ideológicos mais ou menos explícitos. Vários elementos do esquema – predominantemente colocados, em termos gráficos, nas suas zonas periféricas – são elucidativos da relevância que os factores sociais globais (“supra-institucionais”) assumem no modelo interpretativo sobre insucesso escolar que propomos.

2. Diversidade institucional e especificidade organizacional do Ensino Superior

Um dos traços marcantes do sistema de Ensino Superior em Portugal é

o da sua grande diferenciação interna.

Bastará pensar nos pares Universidade/Ensino Politécnico e Público/Privado, com a preocupação adicional de cruzar os seus termos, para nos apercebermos do alcance de tal diferenciação. Mas ela torna-se ainda mais nítida se, mudando de escala de observação, passarmos do plano macroinstitucional para o das unidades orgânicas, departamentos, centros de investigação, cursos. A margem de autonomia “processual” e “substantiva” concedida por lei às Universidades, por um lado, bem como a lógica de desregulação prevalecente durante muito tempo no sector do Ensino Superior Privado, por outro – circunstâncias associadas a uma procura social crescente e cada vez mais diversificada de formações e títulos escolares – fizeram com que, no curto período de três décadas, um sector de Ensino Superior fortemente concentrado em torno dos pólos universitários “clássicos” de Lisboa, Porto e Coimbra desse lugar a um universo amplo e altamente fragmentado, onde a pulverização de cursos (como, por exemplo, os que são nominalmente associados à Gestão ou à Engenharia) atingiu, em certa altura, proporções verdadeiramente insólitas.

Outro eixo de diferenciação do sistema educativo de nível superior prende-se com a distribuição entre grandes blocos disciplinares – Ciências Exactas, Ciências Experimentais, Ciências Sociais, Humanidades… Correspondendo necessariamente tal diversidade a estratégias de ensino-aprendizagem com exigências assaz heterogéneas, compreende-se que seja arriscado formular interpretações de carácter genérico em matéria de sucesso/insucesso escolar neste nível de ensino. A verdade, porém, é que, em abstracto, nada impede, bem pelo contrário, que a diversidade seja, justamente, uma oportunidade a explorar em intervenções, que se queiram fundamentadas, neste domínio. Bastará, para tanto, que, através de formas sistemáticas de cooperação inter e intrainstitucionais visando melhorar a qualidade do ensino, se envolvam os estabelecimentos de ensino superior em processos de reflexão cruzada sobre experiências exemplares levadas a cabo no seu âmbito.

Um eixo de diferenciação adicional, que, como os anteriores, se reflecte no modo de encarar as questões que nos ocupam, prende-se com o triângulo ensino/investigação/prestação de serviços. Não é difícil perceber que orientações estratégicas de instituições de ensino superior voltadas para privilegiar claramente, na sua actividade corrente, a prestação de serviços (sobretudo se com baixo teor de conhecimento acrescentado) ou, alternativamente, a investigação científica (se excessivamente centrada na prossecução das carreiras académicas dos seus membros) tenderão a desvalorizar o investimento dirigido ao aperfeiçoamento dos métodos de ensino e ao incremento dos níveis de sucesso escolar dos seus estudantes.

Pensar o sistema de ensino superior como conjunto de colectivos de trabalho obriga a ponderar o(s) modelo(s) organizacionais que, independentemente dos factores de diferenciação assinalados, nele se privilegiam.

Tony Becher sugere, na esteira de vários outros autores, que as instituições universitárias sejam encaradas, nesta perspectiva, como combinatórias de quatro grandes modelos organizacionais.

O primeiro, designado por hierárquico, baseia-se em formas de autoridade conferidas “de cima”, em cadeias de comando reconhecíveis, em normativos e procedimentos pré-determinados e em papéis bem especificados. O segundo, dito colegial, apoia-se em formas de autoridade ratificadas pela base, em forte igualitarismo na tomada de decisões (elas próprias passíveis de contestação) e ainda na concessão de elevados graus de autonomia aos membros individuais do colectivo. Ao terceiro modelo chama-se anárquico: autoridade posta em causa em função de lealdades e alianças exógenas, autonomia individual sobrevalorizada, pluralidade de valores e de objectivos e grande permeabilidade a opiniões, ainda que informais, de múltiplos peritos e alegados detentores de saber. Para o quarto modelo reserva-se a expressão político, querendo com isso significar que nele se reconhece a autoridade proveniente de poder pessoal, a tomada de decisões baseada na resolução de conflitos, eventualmente à custa de negociações e compromissos, e a capacidade de influenciação por parte de certos grupos de interesses1.

A coexistência, nas organizações académicas, destes quatro modelos ajuda a perceber múltiplos factos nelas empiricamente observáveis: a persistência de práticas pedagógicas insólitas (tantas vezes recobertas de um falso exotismo), à revelia de regulamentos e leis gerais; tolerância dos órgãos de gestão perante manifestações óbvias de laxismo, incluindo o absentismo docente mais ostensivo; resistência à avaliação externa de departamentos, centros de investigação ou equipas docentes instaladas; o conflito, sempre iminente mas quase sempre negociado e adiado, entre governantes e hierarquias académicas; as votações com “marca” departamental reconhecível em órgãos deliberativos que formalmente representam os interesses globais da academia; a concepção de programas de estudos feitos à medida de interesses particulares de carreira ou de afirmação institucional e muito pouco em função das características dos reais destinatários dos mesmos; a definição de critérios “locais” de recrutamento de pessoal docente; a reduzida participação das comunidades

1 Tony Becher, “Principles and politics: an interpretative framework for university

management”, in Adam Westoby (ed.), Culture and power in educational

organizations, Milton Keynes-Philadelphia, Open University Press, 1990.

académicas na elaboração, discussão, aplicação e avaliação de planos estratégicos globais; e tantos outros fenómenos que percorrem processos de decisão e modos de actuação correntes na Universidade.

Quando se avalia panoramicamente a evolução recente do Sistema de Ensino Superior português, o que por hábito mais se salienta – e é um ponto que adiante também teremos de relevar – é a forte progressão das taxas de escolarização neste nível de ensino. Na verdade, paralelamente a esse movimento, outros se verificaram, tais como a expansão do corpo docente e a valorização, não menos notável, do respectivo perfil de qualificações académicas.

Trata-se de um caso em que as alterações morfológicas acompanham, se é que não implicam, mudanças sócio-organizacionais profundas – desde logo, ao nível das estruturas do poder académico, mas também, derivadamente, do poder organizacional.

A questão deve ser equacionada à luz do que tem sido o ritmo de alargamento dos lugares de quadro, já que, como é sabido, ele se revela manifestamente insuficiente, em muitos estabelecimentos de ensino superior, para acolher as aspirações de promoção de boa parte dos docentes de carreira e, portanto, para conter propensões à conflitualidade, ao desinvestimento profissional e à deserção institucional.

É geralmente reconhecido que, ao centrarem-se na componente de investigação, os requisitos de progressão na carreira académica têm implicado algum desequilíbrio em termos de partilha de tempo de trabalho e de orientação do investimento profissional dos universitários, com notório prejuízo, em muitos casos, para a qualidade das actividades de docência.

Mas, para tal facto, não concorre apenas o sobreinvestimento no trabalho de investigação directamente associado à busca de consagração académica através da obtenção de títulos. Em idêntico sentido, actuam, ainda, quer as exigências, que a muitos se colocam, de consolidação de “crédito científico” nos circuitos cada vez mais internacionalizados da pesquisa, quer as solicitações decorrentes das actividades, tantas vezes dispersivas, de “prestação de serviços ao exterior”, quer a pressão para o exercício de tarefas administrativas, cujos conteúdos e amplitude se têm alterado e complexificado substancialmente à medida que as lógicas de eficiência na utilização de recursos vão sendo impostas, com carácter de irreversibilidade, às instituições de ensino superior. E isto para não falar já na própria desvalorização, entre profissionais deste âmbito, por razões eminentemente ideológico-estatutárias que se traduzem em cinismo institucional mais ou menos insidioso, das questões pedagógicas (enquanto tema de reflexão e/ou desafio posto às práticas concretas de ensino).

Se, para encerrar esta referência ao défice de reflexividade pedagógica existente no Ensino Superior (e na Universidade, em particular), quisermos apresentar uma sua manifestação particularmente elucidativa, talvez possamos eleger o desconhecimento quase “militante” que, em matéria de conteúdos ensinados a nível secundário, nele tende a verificar-se. Parte substancial dos equívocos e falhas de comunicação na sala de aula, bem como algumas trajectórias de desmotivação conducentes ao chamado insucesso escolar são geradas, sobretudo nos primeiros anos dos cursos do ensino superior, pela ausência, entre os docentes universitários, de uma reflexão e conhecimento elementares sobre as formações escolares dos seus alunos. Ora, não seria difícil conceber, no plano organizativo (só esse nos interessa, por ora), soluções adequadas a atenuar o problema: elas passariam por um esforço mínimo de cooperação da Universidade com o mais “natural” dos seus parceiros – o subsistema do ensino secundário. É um caminho (quase) por fazer.

3. O sistema de ensino superior como instância de ensino/aprendizagem e de reconfiguração das sociabilidades juvenis

Conferir espaço próprio e dar honras de título, num texto sobre problemas do sub-sector educativo de nível superior, à ideia, tão óbvia, de que ele é um lugar de ensino/aprendizagem só se justifica em função da assinalada relutância que o mesmo revela para interiorizar a problemática pedagógica.

A verdade é que o “serviço” que mais marca o dia-a-dia dos estabelecimentos diz respeito, como é sabido, a actividades de ensino, e estas abrangem um conjunto de destinatários que, nas últimas décadas, não tem parado de se expandir. Tal expansão trouxe consigo, como não podia deixar de ser, maior diferenciação social dos públicos estudantis, e aí está uma primeira razão para não usar, a este propósito, sem as necessárias precauções, a expressão “massificação”.

A heterogeneidade da população em causa, quer quanto a origens de classe, quer quanto a proveniências regionais (com tudo o que isso implica em termos de desigualdades no acesso a recursos e disposições culturais escolarmente rentáveis), quer quanto aos próprios perfis de escolarização que precedem a entrada no ensino superior – para referir apenas alguns dos factores de diferenciação mais relevantes –, é uma característica que tem de se levar a sério, sobrepondo-a à da uniformização sob o ponto de vista etário, sempre que esteja em causa pensar e reformar planos curriculares, conteúdos e métodos pedagógicos, com vista, nomeadamente, a um combate consequente ao abandono e insucesso escolares neste nível de ensino.

Outra razão por que se impõe algum distanciamento face ao uso da expressão “massificação” do ensino universitário resulta do facto de ela poder arrastar a ideia de uma democratização sem restrições no acesso a este patamar da escolaridade (o que, de facto, só aconteceria se o alargamento da base social de recrutamento do universo estudantil respeitasse o perfil de composição social da população portuguesa). Ora, é preciso esclarecer, relativamente a este ponto, que, não obstante todos os progressos verificados, nas três últimas décadas, em matéria de atenuação de desigualdades na probabilidade objectiva de os diferentes grupos sociais “colocarem” os seus filhos no ensino superior, mantêm-se desequilíbrios significativos, quer em termos globais, quer na distribuição por sub-sistemas (Universidade/Politécnico; Público/Privado), por estabelecimentos e por

2

cursos.

2 Ver, sobre este ponto, entre outros, Maria Manuel Vieira, “Transformações recentes no

campo do ensino superior”, in Análise Social, n.º 131-132, Lisboa, ICS, 1995 e Ema

Leandro, “A composição social dos estudantes inscritos pela primeira vez no 1.º ano dos

Traço morfológico interessante, e que de resto não deve ser desligado dos anteriormente referidos, é o que respeita à feminização da população estudantil do ensino superior. A participação maioritária de jovens do sexo feminino neste nível de ensino é uma tendência que, entre nós, se desenha desde finais da década de oitenta, sendo que, quando se analisa a repartição de diplomados segundo o sexo, a comparação no tempo é ainda mais contrastante e revela a obtenção, por parte das raparigas, de posições cada vez mais favoráveis. De facto, a proporção que em anos recentes lhes cabe, quer no conjunto das licenciaturas concluídas, quer no âmbito mais vasto de todos os diplomas concedidos, excede largamente a dos indivíduos do sexo masculino; por outro lado, é cada vez mais significativa a presença de elementos femininos em cursos outrora muito masculinizados.

Pressentidas embora por alguns dos observadores-participantes da vida académica, todas estas mudanças na composição do universo estudantil de nível superior não têm tido repercussões significativas em matéria de reflexividade e de propensão à inovação pedagógicas. Algum mal-estar, vagamente atribuído a uma “massificação” reduzida à sua dimensão quantitativa, não tem desembocado numa recusa explícita e fundamentada, por parte de muitos docentes, de rotinas de ensino instaladas em estádios de desenvolvimento do sistema universitário definitivamente ultrapassados.

Entretanto, a relação dos estudantes com a instituição, com o espaço convencional da sala de aula, com os conteúdos transmitidos ou com os procedimentos e tecnologias de transmissão não deixa de se mover…

Alude-se, no título deste número, ao facto de os estabelecimentos de ensino superior serem lugares de reconfiguração de sociabilidades juvenis. A ideia que assim se quer transmitir é a de que os níveis de sucesso escolar dependem não apenas das dinâmicas de ensino-aprendizagem (que continuam a ter na sala de aula o seu espaço privilegiado de

estabelecimentos do ensino superior público – probabilidades de acesso (I e II Partes), in Forum Sociológico, n.º 4 e n.º 5, IEDS/Departamento de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, 1994. No momento em que está a ser redigido este texto, aguarda-se a publicação de um trabalho sobre o tema, realizado pelo ICS e CIES/ISCTE para o Observatório Permanente da Juventude/SEJ.

desenvolvimento), mas também das modalidades de relacionamento entre jovens que os mesmos estabelecimentos promovem.

Múltiplos estudos sobre práticas culturais e modos de vida juvenis têm sublinhado a importância que na sua estruturação adquirem os padrões de sociabilidade entre pares.

É certo que as indicações fornecidas por tais estudos revelam que o universo dos “colegas” está longe de se confundir com o universo dos “amigos” e que os lugares de encontro predominantes e mais marcantes no quotidiano dos estudantes do ensino superior transcendem em muito o contexto físico das escolas, para se polarizarem em torno da casa (domesticidade) e dos locais e percursos de lazer inscritos no espaço urbano (cultura de “saídas”).

Mas o que também se verifica é que as aulas e bibliotecas, os bares, as cantinas das faculdades, bem como, obviamente, as respectivas festas, surgem em lugar de relevo no conjunto de locais de encontro com os amigos que são referenciados no grupo juvenil sob análise. Por outro lado, o facto de ser elevada a proporção dos encontros no espaço doméstico que se destinam a estudar ou trabalhar dá a entender que as sociabilidades construídas em torno das rotinas e rituais escolares se projectam para além dos seus limites “naturais”3.

A questão tem tanto mais importância, quanto se sabe ser, hoje, relativamente elevada a percentagem de estudantes do ensino superior que não residem com o respectivo agregado familiar. Para estes, o espaço de sociabilidade das escolas assume, mesmo a contra-gosto, importância crucial no desenho do seu quotidiano. Ora, uma vez que a escolha dos relacionamentos entre jovens que estão na base da consolidação das amizades mais fortes se faz, ao que tudo indica, na base de afinidades entre disposições de matriz classista, e estas decorrem em grande medida das

3 Ver, a este propósito, entre muitos outros trabalhos dedicados às representações e práticas culturais estudantis em Portugal, António Teixeira Fernandes (Coord.), Estudantes do Ensino Superior no Porto, Porto 2001/Edições Afrontamento, Porto, 2001, esp. Capítulo 5 (“Lazeres e consumos culturais”).

posições sociais de origem, então é de admitir que o espaço de convivialidade escolar e de integração afectiva seja, para muitos dos seus ocupantes, um espaço de sociabilidade restrito – por força do afastamento em relação ao espaço familiar, por um lado, e da heterogeneidade social do grupo estudantil, por outro. Algum enquistamento da convivialidade em grupúsculos cujos membros têm como característica comum a origem geográfica e/ou de estabelecimento de ensino secundário – facto patente, sobretudo, no início do percurso escolar superior – encontra explicação no cruzamento daqueles vectores.

4. Origens sociais, trajectos escolares, projectos profissionais

A demonstração de que existe uma forte ligação estatística (a que corresponderá uma relação de determinação social igualmente nítida) entre a origem de classe dos estudantes e os seus níveis de sucesso escolar – demonstração essa que permite afirmar ter o sistema educativo uma função latente de reprodução das desigualdades sociais e de confirmação de hierarquias simbólico-culturais – constitui, sem dúvida, uma das aquisições mais consolidadas da sociologia da educação.

Entretanto, os modelos de análise sucessivamente invocados a este respeito estão longe do esquematismo de algumas das primeiras formulações e incluem, hoje, sem hesitações relevantes, todo um conjunto de variáveis capazes de restituir e interpretar, com mais propriedade, a complexidade das dinâmicas sociais em causa.

Assim, em vez de se limitarem a constatar lógicas objectivas de reprodução sócio-cultural através do sistema de ensino, passaram tais modelos a referenciar a influência específica de estratégias de reconversão ou confirmação classista accionadas pelos protagonistas dos processos em causa – como que a sugerir que a interiorização, por estes, de conhecimentos sobre as referidas lógicas terá acabado por intervir, enquanto componente dotada de autonomia relativa, na relação das classes sociais com a escola.

A especificidade dos percursos escolares propriamente ditos – muito dependente dos circunstancialismos organizacionais, dos modelos pedagógicos e dos padrões interaccionais presentes na instituição escolar – foi sendo, do mesmo modo, inserida, em lugar de destaque, nas análises em causa. A intenção foi trazer a primeiro plano, nas explicações sociológicas e propostas de intervenção em matéria de insucesso académico, a espessura própria das relações sociais que, a nível institucional, impõem limites e abrem oportunidades às práticas, segundo lógicas não redutíveis a determinações estritamente classistas.

Escusado será acrescentar que a atenção concedida a este nível de análise conduz em linha recta ao reconhecimento da importância que a qualidade das políticas educativas pode ter no combate ao insucesso escolar. Com efeito, se é inegável que estas têm, em princípio, notória dificuldade em actuar a montante do sistema de ensino, cabe-lhes, sem dúvida, responsabilidade primeira na intervenção sobre os factores de natureza propriamente institucional que se presume estarem, conjuntamente com outros, na génese dos processos de exclusão escolar. Pode, aliás, adiantar-se, pensando uma vez mais no peso específico que tem o ensino superior no sistema científico-tecnológico português e na pressão que este exerce sobre as carreiras e o uso do tempo dos docentes universitários, que a melhoria da qualidade das intervenções na área do sucesso educativo no ensino superior passará, entre nós, por uma boa articulação entre políticas educativas e políticas científicas (sob a forma, por exemplo, de uma compatibilização equilibrada e estimulante entre carreiras académicas e carreiras de investigação).

Voltando ao breve inventário de reformulações que os modelos de análise sobre insucesso escolar foram assumindo, refira-se, finalmente, que, na linha de estimulantes propostas de teoria sociológica sobre a prática, eles têm integrado ainda a dimensão das trajectórias sociais virtuais, tal como surgem interiorizadas nos estudantes, sob a forma de projectos (nomeadamente projectos socioprofissionais acoplados a sistemas de aspirações e expectativas de mobilidade). O jogo entre estados e tendências objectivas do sistema de emprego, por um lado, e das avaliações que são feitas, por antecipação, do volume e composição das saídas profissionais (prováveis ou desejadas), por outro, é determinante quanto aos padrões sociais a considerar a este propósito.

A aproximação, por parte das ciências sociais, a estes processos em que se moldam os horizontes de possíveis e impossíveis ao alcance de cada um, bem como, por extensão, as propensões ao investimento nas carreiras escolares que com eles se compatibilizem conduz, de modo quase insensível, a uma questão particularmente resistente à objectivação sociológica, a da construção das vocações académicas e profissionais. Contra as mais tenazes evidências e falsas explicações de tipo individualista e naturalista, conseguiram as ciências sociais construir um olhar alternativo

desencantado e desmistificador – acerca do assunto. Com elas, foi-se tornando claro, de facto, que a emergência das vocações é um fenómeno condicionado por múltiplos factores ligados à origem e trajectória de classe dos indivíduos, assim como à natureza específica dos seus percursos de socialização (incluindo justamente os escolares), e não a expressão pura de tendências inatas inscritas numa individualidade essencial. O que não impediu, antes obrigou, a sociologia a integrar, no conjunto de determinações das práticas que se reportam à complexa relação dos agentes com o sistema educativo, a força específica (traduzida por empenhamento, motivação, auto-satisfação…) desse ingrediente subjectivo que dá pelo nome de “vocação”.

5. Subsídios para a operacionalização de modelos de análise sobre insucesso académico

Perante os patamares de problematização do insucesso escolar no ensino superior que foram recolhidos nos números anteriores, é normal que se coloquem dúvidas sobre a possibilidade de uma sua tradução sob a forma de modelos de análise e de intervenção com grau de operacionalização adequado. A densidade e multipolaridade de relações conceptuais propostas dificilmente há-de escapar, com efeito, à conhecida acusação de que a sociologia se caracteriza por introduzir complexidade e atrito teórico aí onde se impõe, acima de tudo, clareza de perspectivas e linearidade nos modos de actuação.

Destinam-se as linhas que se seguem a tentar mostrar que tal tipo de acusação é, também aqui, parcialmente injusta.

Uma das soluções mais elementares utilizadas correntemente pelas ciências sociais para operacionalizar as suas hipóteses interpretativas, sem correr o risco de simplificações abusivas no plano metodológico, consiste em construir, quer em relação ao bloco de variáveis independentes ou explicativas, quer ao das variáveis dependentes ou a explicar, tipologias em que se cruzem vários atributos, considerados, em termos teóricos, como cruciais. Cada um dos tipos definidos sintetizará um conjunto relativamente vasto e complexo de determinações, tentando-se que a articulação lógico-teórica de todos eles garanta a coerência e fecundidade interpretativas indispensáveis.

Vejamos como uma tipologia em que se cruzam três atributos referenciados nos números anteriores sob as designações – para alguns suspeitas e rebuscadas – de “origem social”, “trajectória escolar” e “projecto profissional” pode operar uma redução controlada de complexidade e abrir perspectivas a uma análise empiricamente fundamentada das questões que aqui nos ocupam.

Refiro-me à tipologia de estudantes frequentando cursos universitários de Engenharia proposta por Ana Paula Marques para analisar a antecipação de projectos profissionais. Assumindo que, na perspectiva em causa, as categorias relevantes são determinadas por factores relativos quer a “objectivos inculcados a montante do sistema universitário” (o que remete para “pertenças sociais”), quer a objectivos desenvolvidos pela socialização escolar (por antecipação de uma socialização profissional e por desenvolvimento da capacidade crítica e criativa dos alunos), chega a autora à definição de quatro “perfis tipológicos”: “estudante vocacionado”, “estudante centrado”, “estudante crítico” e “estudante de diploma”.

O “estudante vocacionado” define-se pelo “cruzamento positivo do projecto profissional, vocação intelectual e pertença social”. Entusiasmo pelo curso frequentado e crença nas potencialidades profissionais a que o mesmo dá acesso conjugam-se, neste caso, com origens e trajectórias sociais consolidadas, dando lugar a uma visão tendencialmente optimista do presente e do futuro. O “estudante centrado” corresponde a um perfil de experiência estudantil “que tem na sua base uma visão estratégica de ascensão, ao articular uma vocação ‘ajustada’ com um projecto profissional afirmado, como forma de atenuar as pertenças sociais debilitadas”. “A garantia de encontrar um emprego com o diploma é (…) a grande motivação para estes estudantes (…)”.

Passando agora a perfis que, contrariamente aos anteriores, remetem para experiências definidas pela “‘negatividade’ do projecto”, caberá distinguir entre “estudante crítico” e “estudante de diploma”. O primeiro “apresenta uma relação positiva face à vocação e às pertenças sociais” (o que, além do mais, induz o inconformismo perante os conteúdos e métodos de ensino), sem, no entanto, definir com precisão o projecto profissional. Já

o “estudante de diploma”, normalmente oriundo de grupos sociais divorciados da cultura estudantil, caracterizar-se-á por “um não investimento no projecto profissional e na vocação”, a que se associa uma relação tendencialmente instrumental, em termos de status e de garantia de emprego, com o diploma4.

Construída para analisar o modo como a antecipação dos trajectos profissionais é determinado e interfere na experiência estudantil de alunos finalistas de diferentes cursos de engenharia – e é importante não perder de vista toda a especificidade das perspectivas profissionais associadas a estes últimos –, parece razoável admitir que a tipologia manterá razoável heuristicidade numa transposição, com os necessários ajustamentos, em estudos mais direccionados para a pesquisa dos factores e modalidades de insucesso e abandono escolares.

4 Ana Paula Marques, “Antecipação do projecto profissional”, in Cadernos de Ciências Sociais, n.º 21/22, Porto, Edições Afrontamento, 2001.

Não se vê, aliás, impedimento de fundo a que esta tipologia ou tipologias congéneres possam ser reconvertidas no sentido de aperfeiçoar o conhecimento sobre as dinâmicas da experiência estudantil de relacionamento com o universo cultural, organizacional e relacional dos estabelecimentos de ensino superior , nomeadamente em períodos críticos do seu percurso académico, como, desde logo, o 1.º ano.

Maria do Céu Taveira faz, precisamente, uma proposta nesse sentido, com a sua caracterização da “adaptação vocacional no ensino superior”, segundo três tipos: “adaptação resiliente”, característica de alunos “que apresentam valores moderados de adaptação ao curso e à universidade, os valores mais elevados de indecisão e de ansiedade face às escolhas efectuadas e as expectativas mais negativas face à sua futura inserção no mercado de trabalho, bem como a menor quantidade e satisfação com a informação escolar e profissional obtida até ao momento”; a “adaptação construtiva/planeada”, que caracteriza “alunos mais ajustados ao contexto universitário, mais motivados vocacionalmente, com expectativas mais positivas face à sua futura inserção no mercado de trabalho e aqueles que apresentam o maior envolvimento na exploração do meio (…)”; e, finalmente, a “adaptação conformista”, envolvendo alunos que apresentam “valores mais baixos de ajustamento ao curso e à universidade e os que apresentam as crenças, os comportamentos e as reacções menos construtivas de exploração vocacional”5.

Feita esta referência a duas tipologias que, por caminhos não coincidentes mas complementares, tentam uma abordagem teoricamente sustentada, mas também operacionalizável em função das exigências da pesquisa observacional e da intervenção psicossocial, dos factores de insucesso/retracção/abandono escolares, passar-se-á a um comentário ao esquema que, como já se disse, apoiou a exposição oral sobre estes últimos temas.

5 Maria do Céu Taveira, “Sucesso no ensino superior – uma questão de adaptação e de

desenvolvimento vocacional”, in José Tavares e Rui A. Santiago (orgs.), Ensino

Superior – (in)sucesso académico, Porto, Porto Editora, 2000.

Valores, representações e padrões culturais juvenis

(D)

6. Elementos para uma interpretação global

Concentremo-nos, para já, na parte superior do referido esquema.

O que aí está em causa é a explicitação de um conjunto de relações entre, por um lado, factores “objectivos” e “subjectivos” imputáveis à origem e trajectória de classe dos estudantes, à especificidade dos percursos escolares e à polarização dos seus horizontes de aspirações em torno de projectos profissionais [(1), (2), (3)] e, por outro, sistemas de saberes, disposições, valores e representações a partir dos quais eles percepcionam, avaliam e investem no universo físico, organizacional, cultural e interaccional da escola [(4)].

As tipologias de perfis estudantis que atrás referenciámos visam, precisamente, captar, em termos sintéticos, as combinatórias de competências, atitudes, motivações que os estudantes, em função dos seus percursos e projectos sócio-educativos, incorporam e transferem para o seu relacionamento com a escola. Pressupõe-se, como é óbvio, que correspondem a acervos de recursos (“competências”)e propensões ao investimento nas carreiras escolares sempre em mutação, sendo que essa reestruturação não será indiferente, bem pelo contrário, aos modos como se desenvolvem as próprias trajectórias escolares de nível superior. Tal justifica que, no nosso esquema, surjam indicações gráficas claras de que o comportamento do bloco de variáveis (4) é determinado também por factores claramente situados já no espaço organizacional e interaccional dos estabelecimentos de ensino que aqui nos ocupam [(5) e (6)].

Para contrariar o enviesamento mecanicista que por vezes paira nas análises sociológicas sobre insucesso educativo, fez-se questão de acoplar ao bloco relativo às pertenças classistas um outro em que se sublinha o peso específico que as estratégias individuais e familiares (elas próprias socialmente determinadas) [(A)] têm na (re)configuração dos “destinos” de classe. Já atrás se disse o suficiente para esclarecer o alcance que atribuímos, no nosso modelo de análise, a esta forma peculiar de intervenção da reflexividade na orientação das práticas sociais.

Enviesamento de sentido contrário (agora de tipo subjectivista/culturalista, digamos assim) poderá intervir no modelo, se, ao pensar o processo de construção dos projectos profissionais, se omitir qualquer referência à estrutura e mudanças objectivas do sistema de emprego e de saídas profissionais. A dimensão, só na aparência exclusivamente “subjectiva”, da formação de aspirações sociais não pode deixar de ser definida, pelo menos em parte, e tendo em conta desfasamentos temporais não despiciendos, por referência às dinâmicas objectivas do mercado de trabalho. Foi por isso que se entendeu reservar lugar próprio, no esquema, para o bloco de variáveis (B).

Antes de passar a outras zonas do quadro, vale a pena chamar ainda a atenção para a relação de determinação recíproca prevista para o par Percurso Escolar-Projecto.

Se, por um lado, há que admitir a interferência dos projectos sócio-profissionais na própria configuração dos percursos académicos, importa sublinhar, por outro, o papel específico que tem, na construção das chamadas “vocações”, o lado da oferta educativa (estruturação curricular, metodologias de ensino privilegiadas, sistemas de avaliação de conhecimentos postos em prática…).

Assim, por exemplo, se quisermos encontrar alguns dos principais fundamentos da reduzida procura de cursos nas áreas tecnológicas à saída do 3.º Ciclo do Ensino Básico e, mais tarde, ao longo do Ensino Secundário, impõe-se levar em conta o efeito dissuasor que, nesta matéria, decorre da escassa participação, no nosso sistema educativo, da observação e da prática experimentais, da exercitação autónoma de saberes práticos, do contacto não fictício com os universos do trabalho e da vida social extra-escolar, etc.. Também aqui, é a oferta que, pelo menos em parte, determina a procura – e

o resultado tem sido uma presença de estudantes “vocacionados” nestas áreas do ensino em proporção desajustada, por defeito, relativamente ao volume de saídas profissionais existente.

Escusado será acrescentar, por outro lado, que a persistente querela sobre a (in)adequação das formações escolares, incluindo as de nível superior, às exigências da vida prático-profissional – querela essa que, ultimamente, tem oposto os defensores de formações de “banda larga” aos de “banda estreita” – tende a concentrar-se em questões do mesmo tipo. Trata-se de uma discussão que, seguramente, muito se enriqueceria, se nela se incorporasse, para além de uma reflexão sobre questões curriculares substantivas, algo do que diz respeito à aprendizagem de “competências adjectivas”, nomeadamente as relacionadas com a aquisição de autonomia na resolução de problemas práticos (isto é, não encerrados em ficções escolásticas), com a capacidade de integração em dinâmicas de trabalho colectivo, com a desdramatização e superação consciente do erro, etc..

O bloco de variáveis relativo a modelos pedagógicos não pode, como é óbvio, deixar de, a tal propósito, ser vivamente interpelado. Mas, como se sugere através da sua inclusão em (7), seria irrealista desligá-lo de dois outros conjuntos de factores: o dos modelos de carreiras académicas (que, como vimos, tendem a expulsar a questão pedagógica dos horizontes de reflexividade característicos de largos sectores do corpo docente) e o dos modelos organizacionais (indutores de “espaços de liberdade”, na actuação dos profissionais em causa, pouco compatíveis com mudanças concertadas, sustentáveis e monitorizáveis nos métodos de ensino).

O triângulo referenciado em (7), remetendo para uma das constelações de factores que mais directamente actuam sobre os níveis de “performance” e de integração propriamente escolar dos estudantes, é sem dúvida crucial quer na perspectiva da análise dos fenómenos de insucesso, quer na da intervenção correctora sobre as suas causas. Faz-se questão de assinalar no esquema, através de (C), todo o peso que a qualidade das políticas educativas e científicas de iniciativa governamental adquire na definição dos limites da actuação “local” sobre os factores de insucesso escolar. Mas, o facto de o triângulo desenhado em (7) estar circunscrito em espaço a que se concede autonomia, ainda que relativa, aponta para uma visão das coisas segundo a qual nenhum segmento relevante do campo do ensino superior (universidades/institutos politécnicos, faculdades, departamentos e outras unidades orgânicas) deve ser isentado de responsabilidades na elaboração, aplicação e avaliação de estratégias específicas de combate ao insucesso educativo.

O bloco (D) alude a outra das dimensões sociais globais (“supra-institucionais”) consideradas relevantes para uma problematização sociológica da relação dos grupos juvenis com a escola e a cultura escolar. O que aqui se sugere é que a evolução do universo simbólico-cultural de tais grupos (universo esse que tem na cultura escolar apenas um dos seus pólos de transformação), pode estar contribuindo para inculcar disposições, competências e mesmo uma atitude global face ao saber e às técnicas da sua transmissão relativamente divorciadas dos padrões e critérios de excelência instituídos no e pelo aparelho de ensino. Alguma tendência para a criação de focos de resistência e de dissidência cultural (ausência às aulas, participação relutante nas suas dinâmicas comunicacionais…) será uma das manifestações desse divórcio. Mas, porventura, sê-lo-à também, ainda que a contrario sensu, a adesão entusiástica a práticas de convivialidade ou a actividades lúdico-artísticas que, embora circunscritas ao espaço físico das escolas, contendem com o ritmo e as tarefas escolares convencionais.

Sugere-se, no esquema, que a integração “social” dos estudantes, ela própria determinante, por via de complexos mecanismos de inserção/retracção/exclusão, em relação às propensões ao (in)sucesso escolar e académico, decorre, em boa medida, do seu posicionamento no quadro de padrões de sociabilidade extra-escolares (6). Tendo-se dito atrás que esse posicionamento não é indiferente à origem e trajectória social dos alunos, só falta acrescentar, nesta altura, que, numa perspectiva de combate sustentado ao insucesso, parece indispensável não perder de vista, entre o conjunto de recursos a explorar, esta tendência dos mais jovens para fruírem

o espaço físico e de convivialidade da escola (… exterior à sala de aula). Está-se apontando, afinal, para a possibilidade de, por meios não convencionais, estimular, em novas direcções, o potencial de criação cultural dos estudantes, fazendo dos estabelecimentos de ensino lugares polivalentes de experimentação e debate de ideias, de diálogo com actores e protagonistas dos campos científico, artístico, económico-empresarial, etc..

Trata-se de levar a sério a ideia de que o sistema de ensino superior pode e deve ser, com participação activa do seu corpo discente, um vector inovador do movimento cultural, quando não, mesmo, um pólo alternativo na fixação da agenda político-mediática e das condições da transformação social.

Intensificação das relações das instituições de ensino superior com o campo intelectual e artístico, assumpção de mais responsabilidades no plano da divulgação científico-cultural e da formação ao longo da vida, criação de condições para o exercício sistemático de uma crítica auto-reflexiva sobre as ciências e as suas aplicações tecnológicas – eis alguns, só alguns, dos inúmeros vectores por que poderá desdobrar-se esse esforço de reposicionamento do ensino superior no quadro cultural da contemporaneidade.

Talvez esteja aqui uma das portas que, numa perspectiva de exigente (re)aproximação (com sucesso) dos grupos juvenis à cultura escolar, mais promissoramente se poderão abrir ao sistema de ensino superior, neste início de século e de amadurecimento da “sociedade de informação”.

Manuel Brandão Alves*

Quero agradecer ao CNE esta oportunidade de convosco reflectir sobre as causas do sucesso e do insucesso no ensino superior português. A matéria é ampla e os factores condicionantes complexos. Nos limites de tempo disponíveis, serei parcial, isto é, supondo tudo o resto constante, limitar-me-ei a interrogações sobre algum do ambiente que o enquadra.

Será admissível afirmar que as causas do sucesso e do insucesso no ensino superior têm um fundo comum com as do sucesso e do insucesso da sociedade portuguesa como um todo? Estou firmemente convicto de que assim é.

As verdadeiras razões da falta de eficiência e, por vezes até, dos êxitos do sistema de ensino superior têm referencial comum ao dos outros sistemas do nosso ser português. Existem especificidades próprias a cada sistema, mas há razões culturais, permanentes, que a todos condicionam.

Habituámo-nos, desde há muito, a viver e a beneficiar dos traumas de uma sociedade fechada. Como seres protegidos vivemos na ilusão que haverá, sempre, alguém que aparecerá para não nos deixar soçobrar em tempo de insucesso; haverá, sempre, uma corda que não deixará que percamos a visão do pelotão da frente. Poderemos alimentar ainda durante muito tempo este modo de estar face à vida?

Tudo leva a crer que não! O mundo da globalização, da internacionalização e da interacção não tolerará que continuemos a adoptar uma postura de dependentes, com níveis de bem estar criados à custa do financiamento exterior.

Só se formos capazes de nos libertar das cadeias da dependência, para nos tornarmos centros geradores de interdependências criativas, teremos dado o primeiro passo para descobrirmos as razões do nosso insucesso. A análise do problema não é fácil e o enunciado das soluções ainda o é menos.

* Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa.

As dificuldades não serão diminuídas com a identificação de virtuais bodes expiatórios.

Há uma multiplicidade muito grande de factores que podem explicar situações pontuais, mas há que saber retirar do meio de toda a floresta dos factores as linhas estruturantes do insucesso e, também, do sucesso. Embora com algum exagero, quase que se pode afirmar que os factores do sucesso e os do insucesso do ensino superior, em Portugal, são idênticos aos do ensino secundário, do ensino básico, e do comportamento da produtividade em qualquer ramo de actividade.

Do meu ponto de vista, aquele que é, porventura, o principal factor de insucesso é, hoje, a incapacidade que temos tido para transmitir aos mais jovens o prazer e o bem estar obtido com o trabalho bem feito e, consequentemente, o reconhecimento do esforço persistente que aquele pressupõe. E porque é que isso tem sido difícil?

Em primeiro lugar porque temos sido incapazes de encontrar os mecanismos de recompensa pelo trabalho perfeito: fazer bem ou fazer mal surge como sendo indiferente para grande maioria dos nossos estudantes. Daí não resulta qualquer valorização familiar (terão todas as famílias capacidade para a fazer?) ou comunitária. Para quê ser esforçado se a boa oportunidade de emprego fica reservada, apenas, para alguns eleitos? No fim do curso, a única classificação que diferencia é a que fica acima dos 15. Obter uma classificação entre 10 e 13 é perfeitamente indiferente. Em termos de emprego (o bem mais desejado) o resultado é o mesmo. Se não sou capaz de ir além desse intervalo, para quê, então, esforçar-me? Neste quadro, quando os estudantes, optam pela dispersão e pela diversão, em vez do estudo, estão a agir de forma perfeitamente racional.

Mas poderemos interrogar-nos porque é que se tornou tão arreigada a ideia de que não são capazes de ir mais além. Existe como que um bloqueamento que imobiliza o desejo e o prazer da permanente ultrapassagem de si próprio.

Creio que uma das principais razões para este estado de espírito reside na incapacidade que o sistema de formação tem revelado para, desde os primeiros passos, suscitar a aprendizagem do uso complementar da inteligência (raciocínio) e da memória.

É essa falta de articulação que, logo na escola primária, não permite que os jovens aprendam jogando com esses dois instrumentos, e que vai impedir, porventura por toda a vida (todos temos conhecimento de casos concretos em que assim acontece ou aconteceu), que os alunos sejam capazes, quer estudem muito ou estudem pouco, quer tenham atenção ou não tenham atenção, de organizar, de estruturar um raciocínio, de ter bons resultados no pensamento que organizam, de ganhar disciplina e entendê-la não como uma restrição mas como uma alavanca para o trabalho intelectual bem sucedido, como um incentivo ao trabalho bem feito.

Como em tudo na vida, para que haja sucesso no trabalho académico, é preciso que haja disciplina e rigor. O esforço necessário para respeitar a disciplina e o rigor mais do que será compensado pelo gosto pelo trabalho realizado, pelo reconhecimento de que se é capaz de ser agente de resultados. Assim, o trabalho de cada dia torna-se reprodutivo, dá autoconfiança, motiva o trabalho continuado e persistente.

O que é que explica que estejamos tão longe de respirar este ambiente? Certamente que há razões que têm de ser encontradas nas características do quadro cultural e social em que vivemos, no ambiente familiar que nos envolve e, mais genericamente, nas motivações que nos são transmitidas para realizarmos a aprendizagem da cidadania. Creio que uma das principais razões para que haja insucesso, para que haja falta de integração é, assim, não sermos capazes de nos assumirmos na colectividade, na comunidade, como cidadãos.

Há factores adicionais que agravam a nossa falta de capacidade para ultrapassar todas estas debilidades. Os factores de insucesso dos alunos de hoje já foram, também, em grande medida, factores de insucesso de alunos de ontem, que hoje são os seus professores. São estes professores que fazem os programas, escolhem as matérias e dão ou não dão aulas. São eles, também, que são incapazes, ou são capazes, de distinguir entre o que é o essencial e o que é acessório na vivência criada na sala de aula. São, também, eles os bons ou os maus agentes de um ensino que articule o raciocínio abstracto com a aprendizagem empírica e a experimentação. A tarefa tornou-se mais difícil porque há, agora, que educar não apenas os alunos mas, também, os professores.

Não se considere o que acabo de referir como uma qualquer cruzada contra os professores. É, antes, uma tentativa para identificar um problema com o qual todos teremos que nos debater.

Teremos, também, que ser muito mais cuidadosos na adequação dos ritmos da escola aos ritmos da vida. Não se pode criar entusiasmo na escola quando a escola adopta processos de aprendizagem que estão a quilómetros de distância, das formas de aprendizagem que os alunos têm no dia-a-dia, na vida cá fora, no contacto com a natureza, com o mundo exterior, através da televisão, da Internet, etc. Enquanto houver este desequilíbrio, esta inadequação, certamente que não podemos criar alunos motivados e integrados dentro das aulas.

No âmbito dos factores específicos que podem explicar o sucesso ou o do insucesso do ensino superior, não queria terminar sem referir a forma como os alunos são condicionados à escolha dos cursos, o que, do meu ponto de vista, muito tem contribuído para transformar a alegria do acesso em desmotivação para o sucesso.

A má escolha de um curso pode ser o resultado da falta de oferta, da não existência de cursos adequados ao projecto de cada um, de não poderem ser encontrados os cursos procurados nos locais a que se tem acessibilidade e, sobretudo, porque não há informação suficientemente transparente para que não se possa dizer, um ou dois anos mais tarde: “Afinal eu comprei um produto que estava estragado; não era isto que eu queria, não foi isto que me anunciaram”.

Para que nada disto acontecesse seria necessário que existisse uma informação muito mais clara sobre a qualidade das instituições, as suas condições materiais e institucionais de funcionamento; seria necessário que houvesse um controlo muito mais eficaz sobre a qualidade de ensino, sobre a avaliação científica e pedagógica dos docentes; seria necessário que se criassem condições de mobilidade, de flexibilidade e de controvérsia racional, isto é, que os alunos, e os professores ganhassem o gosto pela prática da argumentação lógica, com vista à procura da verdade.

Muito obrigado.

Comentário

António Cachapuz *

O comentário que vou fazer é breve. Não vou fazer nenhuma síntese das intervenções da mesa, mas vou colocá-las em relação a dois ou três aspectos que me parecem importantes.

Antes de focar três grupos de questões que me parecem importantes, gostaria de fazer algumas observações

A primeira coisa que gostaria de dizer é que a situação do insucesso não é trágica. Temos vindo, de há três ou quatro horas para cá, a ouvir um conjunto de argumentos que, se não forem bem sopesados, podem levar-nos a pensar que a situação é trágica. A situação merece o nosso empenhamento e a nossa atenção, mas não agravemos uma situação que talvez não seja tão complicada quanto isso.

Em segundo lugar o conceito de sucesso parece-me que foi mal definido desde a manhã. Nós não sabemos exactamente de que estamos a falar. Não é exactamente a mesma coisa o sucesso escolar e sucesso académico. Devo dizer que há determinados tipos de sucesso que vão para além do próprio fim do curso e que em Portugal não estão assim tão mal quanto isso. Tive o cuidado de ir recolher informação à base de dados da EURYDICE, e verifica-se que estamos abaixo da média europeia, na faixa dos 25/34 anos, no que respeita a licenciados que encontram imediatamente, ou num prazo muito razoável, emprego. Há situações muito piores que a nossa, em Espanha, na Itália, na Grécia.

A questão da melhor definição do que é que andamos a estudar parece-me bastante importante. Já retomarei esta questão mais à frente, pois tem implicações a nível da investigação.

* Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro; Conselheiro do CNE.

O terceiro aspecto tem a ver com o não termos avaliado suficientemente a dificuldade que encontramos em ter modelos sistémicos de abordagem desta questão. Nós ouvimos aqui falar de várias dimensões, de vários factores, eu penso que sim, com toda a certeza, mas faltam os modelos sistémicos de abordagem destas questões. É nas inter-relações entre estas questões dos alunos, do currículo, dos professores, das instituições, das políticas, que a dificuldade se coloca, e nós não estamos bem preparados para isso.

Uma pequena observação: a massificação do ensino não é um problema em si mesmo. Penso que é importante referir isto, porque em Portugal a massificação do ensino corresponde a um período de democratização do ensino e, sem querer, podemos pensar que a democratização do ensino passou a ser um problema. Portanto, o problema não é a massificação, o problema é o insucesso académico e educativo.

Dito isto, alinharia as questões que foram tratadas neste painel em três grupos: a questão das políticas educativas, a questão das políticas de investigação, e, sobretudo, os modelos de organização institucional.

As questões relativas às políticas educativas, previsivelmente, vão ser matéria de trabalho mais aprofundado dos colegas que se vão seguir aqui. Têm a ver com questões que estão a montante das próprias instituições de ensino superior. Já foram aqui referidas várias delas: a questão do acesso, que tem a ver com problemas que não são só de financiamento; as questões das implicações do estatuto da carreira docente universitária sobre os modelos pedagógicos seguidos, também já foram referidas aqui. Mas penso que são questões que estão a montante das instituições do ensino superior, embora elas, naturalmente, tenham alguma coisa a dizer sobre isso.

Segundo grupo de questões tem a ver com as políticas de investigação. Foi particularmente interessante para mim verificar que houve dois estudos claramente de investigação que foram aqui apresentados. Faz falta a investigação sobre as questões do ensino superior. Atrever-me-ia a dizer que toda a investigação, desde que seja de qualidade, naturalmente é bem-vinda. Precisamos, sobretudo, de investigação sobre as questões centradas nos problemas das instituições de ensino superior, do seu funcionamento, da sua organização, da sua qualidade, estudos que necessariamente têm que ter com um alto grau de interdisciplinaridade. A investigação estritamente académica é bem-vinda, mas não chega para mudar aquilo que existe, temos que ter um outro tipo de investigação.

Finalmente, as questões do modelo de organização institucional, foram aqui apontadas pelo Professor Madureira Pinto como aquelas em que nós, instituições de ensino superior, podemos intervir com maior eficiência, porventura. Gostaria de dizer que não foram suficientemente focadas aqui, mas foram referidas de manhã, as questões de como articular os problemas do sucesso académico com a Declaração de Bolonha. A universidade portuguesa e, em boa verdade a universidade europeia, não pode perder oportunidades para repensar seriamente os seus modos de funcionamento e de organização, não pode perder o “comboio de Bolonha”. E não é só tirar ou pôr disciplinas, mais horas ou menos horas, currículos mais extensos ou mais curtos. Estamos a falar de uma outra revolução, do ponto de vista de metodologias de trabalho centradas sobretudo sobre as questões da aprendizagem e não tanto sobre as questões do ensino, como até agora, e isso é um debate que está por fazer na universidade portuguesa. Espero que não percamos essa oportunidade. Por exemplo, as questões da flexibilidade, da abertura a outros públicos, das requalificações profissionais. Claramente, todos nós estamos preocupados com a diminuição do número de alunos e eu diria que não devemos estar com essa preocupação, porque estão milhares e milhares de potenciais alunos à espera, em termos de requalificações académicas e profissionais. As universidades é que não têm tido capacidade para fazer esse novo tipo de ofertas – e é importante que encarem essa nova realidade. Ou ainda os problemas da socialização dos alunos do ensino secundário aqui referidos e que urge estudar, desde saber quem é que eles são, quais as estruturas de apoio, de orientação, até às questões dos métodos de estudo, das comunidades de aprendizagem, do relacionamento, das culturas do risco, tudo isso… As universidades portuguesas, ao meu conhecimento, têm tido algumas iniciativas muito interessantes sobre isso. Por exemplo, conheço na Universidade de Lisboa alguns casos interessantes de programa de mentorados. A Universidade de Aveiro, que conheço naturalmente melhor, também as tem e outras haverá. Era importante que essas experiências fossem conhecidas. Quanto a mim, não são, ou são muito mal conhecidas, e, sobretudo o modo como essas experiências têm tido êxito.

Terminaria por qualquer coisa que me parece relativamente óbvia e aqui não referida. Para mim, tem todo o sentido que o Ministério da Educação e o Ministério da Ciência e da Tecnologia tenham programas integrados para o desenvolvimento da qualidade do ensino que permitam dar seguimento àquilo que o actual programa de avaliação já constatou. Tem de haver uma interligação entre as conclusões a que chegaram os programas de avaliação da Universidade (e agora dos Institutos Politécnicos) e os objectivos dos programas de desenvolvimento .

E é tudo, Senhora Moderadora.

Debate

Teresa Ambrósio – Na perspectiva de tentar definir o conceito de sucesso, que não é apenas escolar, que será educativo ou que será, como disse o Professor Brandão Alves, também de cidadania e, por outro lado, atendendo à necessidade, que o Professor Cachapuz referiu, de uma certa coordenação da política educativa e da política de investigação, queria perguntar se não temos que incluir também a política de emprego e a política estratégica de desenvolvimento económico e social, para colocar a educação no centro de uma agenda política alargada.

José Madureira Pinto – Quanto à questão da inserção profissional dos diplomados (que é uma parte do problema enunciado), o que me parece importante sublinhar é que ela obedece a lógicas que são relativamente autónomas e independentes face às lógicas institucionalizadas no sistema educativo. A validação dos saberes escolares por parte do sistema económico-profissional obedece a princípios que nunca são inteiramente congruentes com os que orientam as práticas escolares. Algum desajustamento nesta matéria será, então, inevitável. Mas não é obrigatório que ele se transforme em divórcio total.

Pondo de lado as responsabilidades das organizações económicas no aprofundamento de tal divórcio (patentes, por exemplo, no modo como subutilizam saberes e potenciais de criatividade desenvolvidos no sistema educativo), encaremos as que são imputáveis à universidade e ao sistema de ensino no seu conjunto.

Na minha opinião, o problema não é tanto o de a escola não ensinar para as profissões, para as actividades de trabalho concretas (o que, em boa verdade, nunca poderá fazer), mas, sobretudo, o de a escola permanecer, ainda, de algum modo, encerrada num colete de forças escolástico. Ao afastar as questões da observação, da experimentação, do trabalho prático, cooperativo, a escola coíbe-se de difundir, como poderia e devia, um conjunto de disposições essenciais para lidar de modo eficiente e criativo com situações práticas reais, antecipando os circunstancialismos sempre inesperados das situações profissionais.

A reflexividade, o sentido crítico e a capacidade para resolver problemas não se atingem apenas através da acumulação de saberes formais. Dependem, isso sim, do exercício equilibrado entre saberes formais, saberes processuais e saberes práticos, bem como do seu confronto com situações não fictícias, nem meramente simuladas. Há uma espécie de reflexividade não escolástica que deveria ser difundida sistematicamente através da escola, mesmo que para isso fosse necessário subverter velhas práticas pedagógicas centradas na sala de aula. Tal difusão seria uma garantia quase implícita de inserções profissionais mais fáceis e enriquecedoras, ainda que as pessoas à saída do ensino superior não tivessem adquirido competências estritamente profissionalizantes.

Espero que as minhas propostas não padeçam, elas próprias, de um enviesamento escolástico…

António Ponces de Carvalho – Seria interessante tentar responder a uma questão muito directa que consiste em avaliar quantas horas, ao longo do ano lectivo, os professores com melhor preparação, do ponto de vista científico e pedagógico, dedicam a ajudar os alunos a aprender e a desenvolver capacidades e à leccionação, quando sabemos, como já aqui se referiu, a primazia que se dá à investigação. Mas não é só a investigação, é o tempo gasto a apresentar comunicações, é o tempo gasto em congressos nacionais e no estrangeiro, é o tempo gasto nas comissões de avaliação, é o tempo que agora vai ter que ser utilizado também nas comissões de acreditação, é o tempo dos trabalhos administrativos. Portanto, sobra muito pouco tempo para aquilo que realmente é importante. Não quer dizer que o resto não seja, mas isto também é uma questão para reflectir.

Carlos Brígida * – Parece-me que todas as questões que foram referidas são questões importantes. Como, provavelmente, alguns dos

* Faculdade de Economia da Universidade do Algarve.

aspectos que não foram mencionadas agora já o foram da parte da manhã, em que não estive presente, vou colocar só duas ou três questões, pedindo desculpa, antecipadamente, se abordar aspectos já referidos.

Num livro famoso, “Estrutura e dinâmica das organizações”, um autor importante na área da gestão dizia que as organizações mais difíceis de mudar são, em geral, os hospitais e as universidades. Penso que este é um elemento de reflexão, pelas relações que existem entre os saberes, os poderes e os estatutos sociais, e é um problema com o qual estamos confrontados.

Uma primeira questão que me parece importante: existe uma enorme falta de diálogo entre os docentes do ensino secundário e os docentes do ensino superior. A passagem do ensino secundário para o ensino superior é um período curto, dois ou três meses, eventualmente menos, mas para os alunos é um salto enorme, do qual eles só vão começando a dar-se conta algum tempo depois de estarem na universidade. O responsável por uma cadeira do primeiro ano, que é central ao nível da licenciatura, em termos das cadeiras obrigatórias para os alunos entrarem, e que é uma das cadeiras com mais alunos, mais importantes e com taxas de insucesso que ultrapassam os 50%, dizia-me que, do ponto de vista dele, era preferível que os alunos não tivessem frequentado essa cadeira no ensino secundário, porque se tornava mais difícil ensinar-lhes a matéria. Julgo que este é um elemento de reflexão importante: há falta de diálogo e era importante que existisse. Quando dizíamos há pouco que as questões científicas têm primazia e que, de facto, não há um investimento suficiente ao nível das questões pedagógicas, parece-me que as questões pedagógicas remetem para vários níveis, nomeadamente para este.

A segunda questão está ainda relacionada com a passagem do ensino secundário para o ensino superior. Aquilo que é pedido, do ponto de vista dos ritmos, dos estudos, dos programas, da relação do aluno com a aprendizagem, da relação do aluno com os professores, da sua autonomia e da sua capacidade de iniciativa é, de facto, muito diferente. Falámos aqui, entre outras coisas, da necessidade de um processo de socialização dos alunos na universidade. Ora este processo de socialização, assumido profissionalmente, ou assumido como uma necessidade das próprias instituições, praticamente não existe. E acho que há aqui um problema grave que tem a ver com a própria estrutura e funcionamento do nosso sistema de ensino: as aulas do primeiro ano começam mais tarde do que as aulas dos outros anos e, para além disso, ainda há a primeira, a segunda e a terceira fase. Tendo em conta que a maior parte dos cursos vieram a optar por um funcionamento em termos semestrais para o conjunto das disciplinas, o que me parece discutível, isto significa que há um conjunto de alunos, importante, que entram na universidade em Novembro para terem um mês e pouco de aulas e para depois serem avaliados. É óbvio que as taxas de insucesso tendem a ser elevadas. Se, para muitos, o nível de expectativas com que entraram na universidade já é baixo e se um aluno sai do primeiro ano com uma média de dez, onze ou doze e com várias disciplinas em atraso, o seu nível de expectativas, o seu nível de aspirações, só por isso, tende a baixar. Esse é um problema complicado e penso que exigiria uma atenção que remete, obviamente, para a estrutura orgânica e para o quadro legal do próprio sistema de ensino.

Uma outra questão que gostaria de assinalar é a questão da relação com o mercado de trabalho. Diz-se que o nível de inserção dos nossos alunos é melhor do que noutros países. Acredito que seja verdade e em alguns casos é mesmo verdade, tenho provas disso. Teríamos que nos interrogar, porém, sobre a qualidade dessa inserção e sobre as perspectivas futuras dessa mesma inserção. Ligando com a questão das organizações, a questão da baixa produtividade da economia portuguesa, na minha perspectiva, é de explicação multidimensional, como é obvio. mas existe uma dimensão que tem sido muito pouco valorizada que é a dimensão organizacional e daí a necessidade e a incapacidade de inovar ao nível das organizações. As nossas organizações funcionam ainda muito com base num sistema de modelos de organização do trabalho e de aproveitamento de qualificações um pouco atrasado. E, portanto, facilmente uma economia menos competitiva integra mais gente, em muitos sectores, mas integra-os para níveis de qualificação relativamente baixos, integra-os em tarefas repetitivas, rotineiras e que não facilitam o seu desenvolvimento, oferecendo-lhes poucas perspectivas de desenvolvimento dentro das organizações e deixando as principais para os quadros internacionais, tendo em conta que muitas organizações se internacionalizaram, e que muitas outras têm influência desses quadros internacionais cá. E aqui há um outro elemento importante que é a dificuldade dos nossos próprios alunos, para além do conhecimento que têm, transmitirem, defenderem e discutirem, verbalmente, perante os outros, posições, perspectivas, políticas e estratégias. E isso dificulta as relações, num quadro de internacionalização, e contribui para que a decisão principal seja cada vez mais uma decisão colocada no exterior. Ou seja, para mim, a indicação de que existe facilidade de inserção no mercado de trabalho, significa muito pouco e, pelo contrário, até pode colar, precisamente, com o outro indicador que é a baixa de produtividade da economia portuguesa. As duas coisas não são contraditórias, na minha perspectiva.

José Tavares – Vou responder àquela questão do insucesso ou do sucesso. Realmente, o sucesso, tal como o entendemos, é um espaço de convergência de múltiplas variáveis e pode ser lido em diversos níveis do sistema. Em cada nível temos de saber o que é que estamos a tratar e como é que aí confluem o sucesso escolar, familiar, educativo. São espaços de convergência e o que é preciso é saber como é que eles se articulam e funcionam internamente, como é que eles funcionam num sentido vertical e, porventura, horizontal.

Gostaria também de fazer um breve comentário relativamente a uma outra questão, relacionada com o tempo que os professores normalmente dedicam a atender os alunos e a resolver determinadas dificuldades relacionadas com a docência. Fizemos um pequeno estudo na Universidade de Aveiro, através de um inquérito que dirigimos aos docentes dos subsistemas universitário e politécnico. Verifica-se que os nossos colegas passam bastante tempo com os alunos. Evidentemente isto não é uniforme, alguns passam 30%, outros passam 40%, mas há colegas que dedicam mais de 70% do seu tempo aos alunos. Evidentemente, tal como o estatuto da carreira docente está configurado e a leitura que dele é feita, coloca problemas aos docentes universitários na sua progressão na carreira, mas há colegas, nas nossas instituições, que assumem esses riscos e gostaria de sublinhar esse facto, neste momento.

Leandro S. Almeida – Ia pegar mais naquela questão da socialização da relação porque acho que é, efectivamente, um aspecto importante. Quero acreditar que os professores sabem e podem, de facto, fazer essa aproximação, atrair, criar uma melhor sintonia, uma relação melhor com os alunos. Se não o fazem talvez seja devido a uma expectativa, a uma crença errónea que têm de que, chegado ao ensino superior, o aluno tem que saber uma série de coisas, o aluno tem que estar preparado, o aluno tem que estar motivado, o aluno tem que se saber comportar… E, quando não fazem essa aproximação, ela é feita através dos antigos alunos, ou seja, daqueles que foram deixando ficar a cadeira para trás. E, geralmente, as marcas que destacam desse professor não são talvez as melhores ao nível do conteúdo, do método, da forma de avaliação e das taxas de insucesso na sua disciplina.

Penso que há, realmente, alguma coisa a fazer e estou convencido de que os professores sabem como é que deveriam fazer. Não têm, de facto, tido a disponibilidade necessária para, nas primeiras aulas, abordar com os alunos um conjunto de aspectos que me parecem essenciais. Em qualquer contexto profissional, quando queremos ter um bom trabalhador explicam-se uma série de normas, quando queremos ter a cooperação de alguém fixa-se também um conjunto de parâmetros. Penso que no ensino superior não temos tido essa lógica, assumem-se muitas coisas como dados adquiridos. Talvez tenhamos que descer um pouco a essa realidade de outra forma.